25 de agosto de 2009

O hit do ano / El éxito musical del año

No supermercado. Na loja de roupa. Na academia. No bar. No metrô. No aeroporto internacional. As vozes de Carlos Baute e Marta Sánchez estão em todo lugar.

Desde o começo do ano, a música-chiclete "Colgando en tus manos" se mantém no topo da lista das canções mais tocadas da Espanha. Feito poucas vezes visto na Península Ibérica.

"Colgando en tus manos" é aquele tipo de música para a qual não se dá a mínima quando se escuta pela primeira vez. Com a repetição insistente, porém, acaba-se rendido.

E ouso dizer que, depois dessa lavagem cerebral, não é raro que a pessoa se pegue cantarolando a canção por aí. Sem vergonha ou censura.

Mas o que tem a música de tão especial?

Juro que não sei.

Comecemos pelos cantores: são losers completos. Ou melhor, eram.

Carlos Baute é um venezuelano que fazia relativo sucesso em seu país. Enquanto muita gente fugia do governo bolivariano de Hugo Chávez, ele foi a público dizer que jamais abandonaria sua terra. Lorota. Assim que pode, pegou um avião e se fixou na Espanha. Os venezuelanos nunca o perdoaram.

É um típico artista construído pela indústria do entretenimento. O cabelo é liso demais e loiro demais. Os dentes são brancos demais. O sorriso chega a incomodar. A pinta é de galã de novela adolescente. Chegou aos 35 anos, mas faz de tudo para parecer que tem 18. Recentemente ganhou um programa na TV espanhola.

Antes de pedir a ajuda de Marta Sánchez, Carlos Baute gravou "Colgando en tus manos" sozinho. Produziu vídeo no leste europeu e tudo. Obviamente a versão inicial não decolou.

Marta Sánchez é uma veterana. Tem 43 anos, mas pelo excesso de cirurgias plásticas, que contradição, parece estar perto da casa dos 60. Ela fez sucesso nos anos 90, mas aos poucos foi caindo no ostracismo. Sua estratégia de reposicionamento de marca foi gravar duetos, pegar carona no sucesso alheio.

Gravou com Andrea Boccelli e com Gloria Gaynor. Regravou música velha com Ricardo Arjona. Cantou até com o guitarrista dos Guns n' Roses. Três meses atrás, eu a vi no show do porto-riquenho Luis Fonsi em Madrid.



Não bastassem os intérpretes, a música em si também não é lá grande coisa. "Colgando en tus manos" começa lentinha, com um violão meio blasé, e vai crescendo aos poucos. No meio da salada de sotaques, o refrão fala de poemas escritos de próprio punho, canções mandadas (imagino) pela internet, jantares em Marbella (uma espécie de Guarujá da Espanha) e viagens à Venezuela.

Meu ouvido não é muito musical, como se sabe, mas consigo identificar no refrão de "Colgando en tus manos" uma guitarra no melhor estilo anos 80 e até um chocalho bossinha.

É um lixo. Mas não se pode resistir.

Cuidado, cuidado... Que mi corazón está colgando en tus manos.

Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
Na foto, o cantor venezuelano Carlos Baute aparece, em outdoor, numa das principais ruas comerciais de Madrid. Poluição visual. No vídeo, o clipe da fatídica "Colgando en tus manos".

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Eu imaginava que os artistas latino-americanos não conseguissem fazer sucesso na Espanha. Ou pelo sotaque peculiar ou pelo excesso de glicose nas letras. Os espanhóis não estão nem aí para isso.

Ricardo dá o caminho das pedras:
O respeitado jornal "El País" publicou uma reportagem na semana passada tentanto explicar o sucesso de "Colgando en tus manos". Mas é inexplicável.
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20 de agosto de 2009

Cadê a grana? / Dame la pasta

Um estudo recém-divulgado diz que Madrid é a 26ª cidade mais cara do mundo. Faz sentido.

Uma salada grande (e sem gosto) do McDonald’s sai por 6 euros (18 reais). Um almoço num restaurante qualquer não fica por menos de 10 euros (30 reais). Copiar três chaves de casa custa consideráveis 20 euros (60 reais).

Mas nem tudo é “facada” na capital espanhola.

O transporte público de Madrid é um dos mais baratos da Europa. O bilhete de metrô ou de ônibus para dez viagens vale 7,40 euros (uns 22 reais), sem contar que há bilhetes ainda mais econômicos de uma semana e um mês. Os jornais custam, em média, pouco mais de 1 euro (3 reais). Num supermercado barato, a bandeja de seis iogurtes sai por 1 euro.

Na época das rebajas, as roupas saem quase graça. Já vi calças jeans —de boa qualidade— por 10 euros (30 reais). Com as companhias aéreas low-cost, pode-se viajar para Portugal (ida e volta) por 20 euros (60 reais).

Madrid é cara, mas é barata.

Cara para quem ganha em reais, barata para quem ganha em euros.

Ricardo põe legenda na foto:
Essa foi a conta de um jantar em Madrid. Uma salada e um refresco ficaram em 30 reais. Ainda bem que o periódico me dava "tique".

Ricardo conta ao pé do ouvido:
As cidades mais caras do mundo, segundo o estudo do banco UBS, são Oslo, Zurich, Copenhagen, Genebra, Tókio, Nova York, Helsinki, Viena, Paris e Dublin. Barcelona (22ª) é mais cara que Madrid (26ª), de acordo com a pesquisa. São Paulo (42ª) é mais cara que o Rio (48ª). Caracas aparece como uma das mais caras (12ª), mas só pode ser por causa do câmbio oficial do dólar, engessado pelo governo Chávez, que é bem diferente do dólar real do mercado negro.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Aqui está, na íntegra, o estudo do UBS.
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13 de agosto de 2009

Nós, os "cariocas" / Nosotros, los "cariocas"

Os espanhóis continuam barrando brasileiros no aeroporto internacional de Madrid, mas, mesmo assim, ainda são fãs incondicionais do nosso povo e do nosso país.

Se antes, ao ser apresentados a um brasileiro, naturalmente reagiam falando de futebol e Pelé, agora os comentários são invariavelmente sobre o nosso presidente da República. “¿Y Lula?” foi a pergunta que mais ouvi nos seis meses em que estive na Espanha.

A essa pergunta genérica e quase automática, os espanhóis esperam um discurso emocionado sobre a preocupação do governo petista com os pobres. É uma expectativa que se vê nos olhos. Os europeus não disfarçam a fascinação que sentem pelo operário e sindicalista que se tornou o chefe do maior país latino-americano.

O jornal El País, por exemplo, tem mais que interesse pelo Brasil. Chega a ser um verdadeiro transtorno obsessivo-compulsivo. A cada semana saem três ou quatro notícias sobre o nosso país. Qualquer autoridade brasileira de visita pela Espanha ganha uma entrevista de página inteira, mesmo que não tenha novidade nenhuma a dizer. Se tem a ver com o Brasil, é notícia automaticamente.

Quando o Comitê Olímpico Internacional esteve em Madrid para avaliar se a cidade tem condições para sediar as Olimpíadas de 2016, ouvi de muita gente que a candidata que mais tem chances de vencer é o Rio. Mas e a violência? A corrupção? A falta de infra-estrutura? Para os espanhóis, nenhuma deficiência, por pior que seja, consegue superar a alegria dos brasileiros. É o que basta para levar uma Olimpíada para o Brasil.

Isso, claro, tem muito a ver com os estereótipos plantados pelo Brasil no exterior sobre si mesmo. Já vi espanhol perplexo ao ouvir que pessoalmente no me gusta el fútbol, não sei bailar la samba e tampoco levo jeito para luchar la capoeira.

Os espanhóis conhecem a caipirinha, mas muitos acham que carioca é sinônimo de brasileño. Não se assuste se ler em algum lugar que Lula é el presidente carioca.

Os espanhóis garantem que amam a música brasileira, mas muitos não sabem enumerar ninguém além de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Os espanhóis dizem que morrem de vontade de conhecer Salvador de Bahía, mas muitos não sabem que existe um local chamado São Paulo, que por acaso vem a ser a maior cidade do país.

Os espanhóis sabem que garota significa chica (por causa da música Chica de Ipanema), mas muitos acham que a língua que se fala no Brasil é o brasileño. E olha que Portugal está bem ali do lado...

Ricardo põe legenda na foto:
O brasileiríssimo Pelé é garoto-propaganda do Santander nessa publicidade vista numa estação de metrô de Madrid. Os clientes que transferem a conta-salário para o banco podem ganhar um dia com “o rei”.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Sempre ávido pelo Brasil, o jornal El País entrevistou o nosso ministro da Justiça. Tenho sérias dúvidas se um jornal brasileiro daria uma página inteira para o ministro da Justiça da Espanha (que lá se chama ministro do Interior)... O ministro Tarso Genro falou que o apoio do presidente Lula é o handicap da ministra Dilma Rousseff nas próximas eleições para a Presidência. O jornalista espanhol não sabia que no Brasil, sabe-se lá o motivo, handicap é uma coisa positiva. No resto do mundo, como é o correto, handicap é algo negativo. Resultado: o El País cometeu uma gafe internacional ao publicar que Lula vai atrapalhar Dilma, e não ajudá-la.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Veja a reportagem furada do El País e a subsequente queixa do ministro Tarso Genro.
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11 de agosto de 2009

Para alegria das empreiteiras / El caos de la ciudad

Que linda é Madrid! Mas não deixem de me avisar quando encontrarem o tesouro...

A ironia veio do ator Danny De Vito quando esteve em Madrid alguns anos atrás para o lançamento de um filme. Na época, a cidade estava de cabeça para baixo, tomada por centenas de obras públicas.

A situação hoje não é muito diferente. Quem caminha por Madrid se sente em plena trincheira, no meio da linha de tiro. É quase impossível andar pela cidade sem deparar com tapumes no meio do caminho.

O governo está construindo terminais de ônibus e estacionamentos subterrâneos, aumentando calçadas, transformando ruas para carros em ruas para pedestres, ampliando as linhas do metrô... São cerca de 250 obras em curso.

O quebra-quebra ocorre em locais nevrálgicos da cidade, como as calles de Serrano e de Fuencarral, as plazas de Colón, Castilla e Callao, o paseo de los Recoletos e a Puerta del Sol.

Peguemos como exemplo o quilômetro zero da cidade. Além dos tapumes, dos tratores, dos pedreiros e de montes de areia, a Puerta del Sol está cheia de policiais patrulhando a área, gente distribuindo folhetos de compro ouro, carteristas atentos aos turistas que tiram fotos distraídos, madrilenhos esperando amigos embaixo da famosa estátua do urso, funcionários se dirigindo à sede do governo da Comunidade de Madrid... Passar, hoje, pela Puerta del Sol é como competir numa corrida com obstáculos.

Apesar da poeira, do barulho e do trânsito (relativamente) caótico, os madrilenhos não reclamam. E a imprensa também não. Têm a consciência de que são obras que vão deixar a cidade melhor.

Ricardo põe legenda na foto:
As obras praticamente esconderam a famosa estatua ecuestre de Carlos III na Puerta del Sol. Nessa praça, bem no coração de Madrid, as vias para os pedestres estão sendo aumentadas, saídas do metrô estão sendo reformadas e uma estação de trens acaba de ser construída.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
"Já encontramos o tesouro", disse na semana passada o prefeito Alberto Ruiz-Gallardón, referindo-se à brincadeira citada no começo deste texto. "São os madrilenhos, sem dúvida nenhuma." Político é político.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Neste mapa animado do site Elmundo.es, pode-se ver em vídeo quais são as principais obras em curso na capital espanhola.
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7 de agosto de 2009

As velhas pesetas / Las viejas pesetas

Os espanhóis gostam de dizer que os portugueses são nostálgicos, vivem presos à sua história de glória, são avessos à modernidade... Pode até ser verdade, mas esses mesmos espanhóis que apontam o dedo para os vizinhos também têm lá uma pontinha de apego ao passado.

O euro é a moeda corrente da Espanha desde 2002, mas até hoje tem muito espanhol que se refere a preços e valores utilizando a peseta, a velha moeda do país.

Mas não é como no Brasil, onde quem diz "10.000 réis", "10 contos" ou "10 cruzeiros" obviamente se refere a 10 reais. Na Espanha, ao contrário, não é uma mera questão de vocabulário. Se uma pessoa diz "160.000 pesetas", por exemplo, ela está se referindo à quantia de 900 euros.

Em 2002, quando a antiga moeda deixou de valer, 166 pesetas equivaliam a 1 euro.

Ainda hoje, sete anos depois da morte das pesetas, o Banco de España recebe pessoas querendo trocar suas notas velhas por euros. Aquelas mesmas 166 pesetas ainda equivalem a 1 euro.

No mês de junho, os espanhóis trocaram 332,7 milhões de pesetas por 2 milhões de euros. O Banco de España estima que ainda haja 1,7 bilhão de pesetas no país.

Conclusão: os espanhóis guardam dinheiro debaixo do colchão! E depois dizem que quem vive no passado são os pobres dos portugueses...

Ricardo põe legenda na foto:
Se colocar cartaz, terá de pagar uma multa de 500 pesetas! A mensagem foi vista num muro de Sevilha.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Minha última compra no supermercado em Madrid ficou em 15,40 euros. Para facilitar a vida dos nostálgicos, a nota fiscal trouxe o total também en pesetas: 2.562. A propósito, a peseta foi criada em 1869. Antes dela, a moeda da Espanha era o escudo espanhol.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Quer saber quanto valem as suas pesetas? Faça as contas nesta calculadora.
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6 de agosto de 2009

A gangue da marcha à ré / Los aluniceros

Pelo menos uma vez por semana os jornais de Madrid noticiam algum caso de alunizaje na cidade.

É o crime em que os ladrões usam um carro para invadir uma loja e levar mercadorias de valor. De ré, eles aceleram o veículo contra a vitrine, estilhaçam o vidro e entram com facilidade no estabelecimento. Vão de ré porque dessa forma sofrem menos impacto.

Em São Paulo, esse tipo de quadrilha é conhecido como "gangue da marcha à ré".

Segundo as estatísticas da polícia, foram registrados 116 casos de alunizaje ao longo deste ano na região metropolitana de Madrid. Ou seja, um roubo a cada dois dias.

Os alvos preferenciais dos ladrões são as boutiques de grife e as joalherias. Eles atacam principalmente de madrugada e no meio da tarde, quando as lojas estão fechadas para a famosa siesta.

Na tentativa de se proteger, os lojistas têm pedido que orelhões e árvores sejam colocados bem na frente de suas vitrines, bloqueando assim o caminho dos carros dos bandidos.

Vejamos a coisa pelo lado positivo. Os aluniceros e os carteristas (batedores de carteira) são os deliquentes que mais perturbam a paz de Madrid. Melhor isso que sequestro e assalto a mão armada, ¿no es cierto?

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Alunizaje significa "aterrissagem na Lua" (da mesma forma que aterrizaje é "aterrissagem na Terra"). O crime ganhou esse apelido porque o carro dos assaltantes entra na loja em questão de ré, da mesma forma que os foguetes espaciais aterrissam na Lua.

Ricardo põe legenda na foto:
Numa manhã da semana passada, quando ia para o jornal, deparei com essa cena. O banco que fica bem atrás do meu prédio foi invadido por uma BMW vermelha. Os aluniceros conseguiram fugir com algum dinheiro. Até comecei a apurar a história, mas no local já estava um colega do meu jornal...

Ricardo dá o caminho das pedras:
Aqui está o vídeo sobre o assalto ao banco. Note que, nesse caso, o carro não foi de ré.
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