29 de abril de 2009

A porca torce o rabo / La gripe porcina

As autoridades sanitárias já contam dez pessoas infectadas pela gripe do porco na Espanha. Apesar disso, não vejo sinais de pânico ou comoção social nas ruas de Madrid.

Aqui em casa, por outro lado, os nervos estão à flor da pele. Divido apartamento com Randall, um menino da Costa Rica, e com Nadia e Tina, duas meninas... do México! O México, como já foi amplamente divulgado, é o epicentro do terremoto suíno.

Hipocondríaco e preocupado, pensei em criar uma zona de quarentena na área de serviço, em tornar obrigatório o uso de máscaras Michael Jackson dentro de casa, em manter as janelas abertas para sempre...

Porém mais estava por vir. Acabam de chegar a este apartamento para uma temporada de três semanas os pais de Nadia. Provenientes da Cidade do México. Depois de horas dividindo o ar do avião com centenas de outros mexicanos.

Acabo de entreouvir no quarto ao lado um dos membros da comunidade mexicana dar uma discreta tossida...

Ricardo põe legenda na foto:
Os jornais daqui não falam de outra coisa.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
A gripe do porco se conhece em espanhol como gripe porcina, como a viúva da novela.

Ricardo dá o caminho das pedras:
A Organização Mundial da Saúde divulga todos os dias um boletim sobre a situação internacional da gripe do porco.
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27 de abril de 2009

O Equador é aqui / Ecuador es aquí

A votação é no outro lado do Atlântico, mas Madrid está tomada de cartazes do presidente do Equador, Rafael Correa, candidato à reeleição.

Explico. Os equatorianos que moram fora do país também votam nas eleições nacionais. E a Espanha é vista com muito interesse pelos candidatos porque aqui vive uma multidão de cerca de 700 mil imigrantes equatorianos.

A fuga em massa começou no fim dos anos 90, quando o Equador estava mergulhado na pior crise econômica de sua história e a cada semana um presidente novo respondia pelo país. Para tentar sair do buraco, o Equador dolarizou sua economia.

Com o desemprego nas alturas, os pobres do país decidiram migrar para outras partes do mundo. Enquanto 13 milhões de equatorianos vivem no território nacional, outros 3 milhões se encontram espalhados pelo planeta. Estão principalmente na Espanha, até pouco tempo atrás (até chegar a tal crise) o Eldorado dos latino-americanos. Aqui são a segunda maior comunidade estrangeira, atrás só dos romenos.

Com o desemprego na Espanha agora nas alturas (mais de 15% da população economicamente ativa), os imigrantes são os que mais sofrem, principalmente os ilegais. Muitos estão tomando o caminho de volta para casa.

Parêntese. Argentinos são bem vistos aqui, uruguaios também, mexicanos idem. Brasileiros, viva a nossa pátria amada, são igualmente recebidos com simpatia. Mas os equatorianos, esses não são bem-vindos. São os que mais sofrem preconceito.

A história é conhecida entre os colegas do programa Balboa. Telefona um equatoriano em resposta a um anúncio de aluga-se apartamento. Não, o apartamento já está alugado. Liga em seguida um argentino em resposta ao mesmíssimo anúncio. Claro, podemos marcar de visitar o apartamento.

Nos dias anteriores à votação de domingo, os candidatos a deputado (o Equador tem a figura do "deputado estrangeiro", que representa os compatriotas que vivem em outros países) fizeram debates públicos em Madrid, participaram de programas de rádio, distribuíram panfletos etc.

Rafael Correa, claro, foi reeleito.

Ricardo põe legenda na foto:
Publicidade eleitoral do presidente Rafael Correa no metrô de Madrid. Ele abraça sua candidata a "deputada estrangeira" para a Europa, Dora Aguirre.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Dora Aguirre me contou que "é necessário melhorar a acolhida dos conterrâneos que voltam para o Equador: eles precisam de ajuda na busca de emprego, menos burocracia na revalidação dos estudos feitos no exterior e facilidade na obtenção de empréstimos".

Ricardo dá o caminho das pedras:
Uma modesta colaboração minha para a imprensa brasileira neste momento tão decisivo para o mundo andino.
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23 de abril de 2009

A cidade da cultura / Mucha cultura

Madrid, como toda capital do velho continente, é uma cidade em que se respira cultura.

Já que a lista é longa, enumero apenas um pouco do que vi nestes últimos três meses. O gigantesco Guernica, de Picasso, é a atração maior do Museu Reina Sofía. As pinturas de Goya e Velázquez enchem meio Museu do Prado. Estiveram expostas pouco atrás em plena rua uma variedade de Rodins, incluindo seu célebre Pensador.

No cinema, antes do lançamento internacional, assisti ao último filme de Pedro Almodóvar, Los Abrazos Rotos. Há pouco tempo, um centro cultural projetou praticamente todas as produções de Almodóvar. Vi, por fim, La Mala Educación.

Posso ainda citar o Museu Arqueológico, o Museu da Cidade, o Museu do Traje, uma exposição de fotos do Dalai Lama, igrejas muito antigas, estátuas espalhadas por toda a cidade (do dom Quixote aos reis montados em seus cavalos), edifícios históricos, a praça de touros, o Palácio Real...

De todas essas expressões artísticas, porém, nada se compara à música que se ouve em Madrid. Mais que a pintura, que a arquitetura, que a história e que o cinema... A música aqui é, por excelência, "a criação com valores estéticos" que mais "sintetizam as emoções, a história, os sentimentos e a cultura" do homem.

Não exagero.

Entro num supermercado e lá toca um hit da dupla Andy & Lucas. Passando pela porta do bar, ouço Conchita. Na loja de roupas, toca Jennifer López em espanhol. No restaurante vegetariano, um sucesso antigo de Ricky Martin.

Eis, pois, o paraíso!

Acabo de chegar do show de Ricardo Arjona, um cantor guatemalteco adorado dos Estados Unidos à Argentina ("Señora de las cuatro décadas: permítame descubrir qué hay detras de esos hilos de plata y esa grasa abdominal que los aeróbicos no saben quitar").

Se eu tivesse de escrever sobre o espetáculo, desafiaria as rimas com a seguinte descrição: emocionante, impressionante e cativante.



Quando veria algo assim em São Paulo?

Depois de amanhã vou ao show de Laura Pausini, uma cantora italiana que... dispensa apresentações ("Se fue, se fue... Me quedó sólo su veneno. Se fue, se fue... Y mi amor se cubrió de hielo").

Enquanto meus colegas de curso se planejam para Madonna e U2, já estou de olho em Luís Fonsi, um cantor portorriquenho que se apresenta aqui dentro de algumas semanas. E cruzo os dedos para que haja apresentações de Shakira, Enrique Iglesias, Alex Ubago...

Porque apenas a arte nutre a alma.

Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
O cartaz anuncia o show de Ricardo Arjona em Madrid. Como as entradas para o Palácio de los Deportes se esgotaram em questão de dias, os organizadores decidiram realizar um segundo show na capital espanhola. No vídeo, o recital propriamente dito.

Ricardo dá o caminho das pedras: Num verdadeiro esforço de reportagem, consegui uma entrevista exclusiva com Ricardo Arjona. "Cadê o meu xará?", ele perguntou à assessora de imprensa no momento em que eu entrava na sala.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Agora preciso conseguir uma entrevista com Laura Pausini. Custe o que custar.
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6 de abril de 2009

Um dia de touradas / En las corridas

Domingo é dia de touradas em Las Ventas.

A plaza de toros de Las Ventas lembra um estádio de futebol: arquibancadas para a plebe e camarotes para os VIPs, vendedores de bebidas para lá e para cá, velhos que enfrentam o assento duro alugando almofadinhas, gritos de ânimo da torcida etc. etc. etc. Porém, um estádio com muita classe, construído em 1931 no mais refinado estilo mourisco.

Soa a corneta, abrem-se os portões e entra o primeiro touro. A multidão vai ao delírio. O touro é preto, tem um par de chifres afiados e parece bastante nervoso.

A corrida começa com uns quatro aprendizes de toureiro provocando o bicho com suas bandeirolas rosadas. Quando o touro responde, eles não toureiam. Simplesmente fogem para trás de umas trincheiras de proteção estrategicamente posicionadas na arena.

Assim, correndo contra um e contra outro, o touro vai perdendo força. Depois, dois desses aprendizes de toureiro tratam de fincar umas espécies de ganchos nas costas do animal. O sangue começa a escorrer. Em certos momentos o animal pára e vira o pescoço como que tentando se livrar dos ganchos.

Mais uma corneta soa. E eis que entra um imponente toureiro montado num cavalo. O montador leva uma lança. A montaria leva uma armadura. E ainda bem que leva uma armadura, porque o touro vai com todos os seus chifres para cima do cavalo. Mais sangue: o touro leva uma lançada certeira no lombo.

Por fim, anunciado pelas mesmas cornetas, surge na arena o toureiro ídolo. Com seu indefectível uniforme colado ao corpo, uma sapatilha meiga nos pés, meia cor-de-rosa, detalhes dourados brilhantes por todo o traje, chapeuzinho napoleônico...



O touro, já combalido, continua furioso e investe contra a capa vermelha. O toureiro faz a festa. Olé! Num dado momento do espetáculo, o toureiro saca uma espada e a crava no animal. Com toda a força. Friamente. Uma presa fácil.

O touro, com a espada enterrada na região do pescoço, ainda avança com violência por alguns segundos, mas logo começa a perder os sentidos. Já está com a língua para fora, exaurido. Vomita sangue. E tomba quase sem vida.

Um dos aprendizes de toureiro avança sobre o animal estirado ao chão e, com a mesma espada, acaba com o resto de vida que sobra. No final, uns cavaleiros aparecem e suas montarias arrastam o touro abatido para fora da arena. A piscina de sangue que sobra é imediatamente coberta com terra.

Eis a glória humana!

Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
Na foto, um monumento aos toureiros e um pedacinho de Las Ventas. No vídeo, cena da corrida de ontem à tarde.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Bandido, o touro da novela, era feliz e não sabia. E, sim, os touros bravos fazem aquele movimento com as patas dianteiras, típico de desenho animado, antes de partir para o ataque.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Antes de ser abatido, o primeiro touro de ontem quase venceu seu algoz.
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3 de abril de 2009

O cheiro do inverno / Algo huele mal

Há alguns dias o inverno finalmente terminou e deu lugar à primavera, mas o frio volta de vez em quando. E é nas temperaturas baixas que as pessoas tiram seus casacos mais pesados do fundo do armário.

Problema. As pessoas sacam seus casacões do baú e os vestem do jeitinho que estão, sem lavar, limpar nem nada do gênero. O inverno não cheira bem.

E como é que eu sei disso? Pois usando o metrô!

Ao seu lado no vagão está sentada uma pessoas qualquer, e de repente aquele cheiro de bolor entra pelo nariz e quase te mata de ânsia de vômito. Ou então, pior ainda, sobe um odor de suor impregnado na roupa. E ainda há alguns com fragrância de bafo da manhã, cachorro molhado, bacon frito etc. etc. etc.

E o cheiro é proporcional à idade do usuário da roupa. Afinal, as chances de um senhor de 85 anos ter uma roupa guardada há 50 anos sem lavar são maiores do que as de um senhor de 60...

As senhoras de certa idade dão pulinhos de alegria com o frio. É a ocasião em que podem tirar da tumba suas melhores peles felpudas de marta ou chinchila e desfilar muito elegantes pela Gran Vía. Tudo muito politicamente incorreto.

Quando escrevi "senhoras de certa idade", quis dizer "múmias".

Ricardo põe legenda na foto:
Um par de velhinhas com seus abrigos na região de Hortaleza. Não me atrevi a cheirá-los. E muito menos a cheirá-las.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Por que automaticamente franzimos o nariz e fazemos cara de nojo quando dizemos coisas do tipo "fedor" e "cheiro ruim"?

Ricardo dá o caminho das pedras:
Nessas situações, meu amigo, o jeito é segurar a respiração e, se o fôlego acaba, tomar ar pela boca.
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1 de abril de 2009

Almoçando fora / Pues... a comer

Almoçar em Madrid é sempre uma aventura. Os restaurantes são muito parecidos por fora, mas a comida que servem pode ser tanto um banquete como uma gororoba. É preciso ter sorte.

Come-se muito no almoço. Os restaurantes invariavelmente oferecem o "menu do dia", que contém bebida, pão, primeiro prato, segundo prato e sobremesa. O preço varia em média de 8 a 11 euros.

Pode-se escolher dentre três, quatro ou cinco opções de primeiro prato. As mais comuns são salada, paella e massa. Idem de segundo prato. É aí que estão as carnes.

É preciso ficar bem atento ao cardápio porque os espanhóis gostam de comer a tripa dos animais, carne com muita gordura, rabo de vaca e frango com a pele do bicho. E é bom perguntar o que acompanha a carne. Costumam ser batatas. Para quem está de dieta, uma salada pode vir no lugar.

Também bebe-se muito no almoço. A bebida do "menu do dia" pode ser uma água, um suco, um refrigerante ou um vinho. Não uma taça de vinho. Mas uma garrafa inteirinha de vinho tinto!

No final, pode-se escolher uma sobremesa. Assim como na comida, pode vir um manjar dos deuses ou um bolo de caixinha com alguma cobertura fajuta. Para quem está de dieta (acho que já falei isso), há a opção de pedir um café.

Esse é um dos motivos pelos quais os espanhóis têm direito a duas horas inteirinhas de almoço no meio do expediente. Almoçar é um ritual que requer tempo.

Ricardo põe legenda na foto:
O "menu do dia" na entrada de um restaurante perto do metrô San Bernardo.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Os cheesecakes (tartas de queso ou pasteles de queso) são o que há de melhor na sobremeseria espanhola.

Ricardo dá o caminho das pedras:
O Kaixo é uma taberna que fica perto do Sol, a zona mais turística de Madrid. O almoço é saborosíssimo.
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