25 de agosto de 2009

O hit do ano / El éxito musical del año

No supermercado. Na loja de roupa. Na academia. No bar. No metrô. No aeroporto internacional. As vozes de Carlos Baute e Marta Sánchez estão em todo lugar.

Desde o começo do ano, a música-chiclete "Colgando en tus manos" se mantém no topo da lista das canções mais tocadas da Espanha. Feito poucas vezes visto na Península Ibérica.

"Colgando en tus manos" é aquele tipo de música para a qual não se dá a mínima quando se escuta pela primeira vez. Com a repetição insistente, porém, acaba-se rendido.

E ouso dizer que, depois dessa lavagem cerebral, não é raro que a pessoa se pegue cantarolando a canção por aí. Sem vergonha ou censura.

Mas o que tem a música de tão especial?

Juro que não sei.

Comecemos pelos cantores: são losers completos. Ou melhor, eram.

Carlos Baute é um venezuelano que fazia relativo sucesso em seu país. Enquanto muita gente fugia do governo bolivariano de Hugo Chávez, ele foi a público dizer que jamais abandonaria sua terra. Lorota. Assim que pode, pegou um avião e se fixou na Espanha. Os venezuelanos nunca o perdoaram.

É um típico artista construído pela indústria do entretenimento. O cabelo é liso demais e loiro demais. Os dentes são brancos demais. O sorriso chega a incomodar. A pinta é de galã de novela adolescente. Chegou aos 35 anos, mas faz de tudo para parecer que tem 18. Recentemente ganhou um programa na TV espanhola.

Antes de pedir a ajuda de Marta Sánchez, Carlos Baute gravou "Colgando en tus manos" sozinho. Produziu vídeo no leste europeu e tudo. Obviamente a versão inicial não decolou.

Marta Sánchez é uma veterana. Tem 43 anos, mas pelo excesso de cirurgias plásticas, que contradição, parece estar perto da casa dos 60. Ela fez sucesso nos anos 90, mas aos poucos foi caindo no ostracismo. Sua estratégia de reposicionamento de marca foi gravar duetos, pegar carona no sucesso alheio.

Gravou com Andrea Boccelli e com Gloria Gaynor. Regravou música velha com Ricardo Arjona. Cantou até com o guitarrista dos Guns n' Roses. Três meses atrás, eu a vi no show do porto-riquenho Luis Fonsi em Madrid.



Não bastassem os intérpretes, a música em si também não é lá grande coisa. "Colgando en tus manos" começa lentinha, com um violão meio blasé, e vai crescendo aos poucos. No meio da salada de sotaques, o refrão fala de poemas escritos de próprio punho, canções mandadas (imagino) pela internet, jantares em Marbella (uma espécie de Guarujá da Espanha) e viagens à Venezuela.

Meu ouvido não é muito musical, como se sabe, mas consigo identificar no refrão de "Colgando en tus manos" uma guitarra no melhor estilo anos 80 e até um chocalho bossinha.

É um lixo. Mas não se pode resistir.

Cuidado, cuidado... Que mi corazón está colgando en tus manos.

Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
Na foto, o cantor venezuelano Carlos Baute aparece, em outdoor, numa das principais ruas comerciais de Madrid. Poluição visual. No vídeo, o clipe da fatídica "Colgando en tus manos".

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Eu imaginava que os artistas latino-americanos não conseguissem fazer sucesso na Espanha. Ou pelo sotaque peculiar ou pelo excesso de glicose nas letras. Os espanhóis não estão nem aí para isso.

Ricardo dá o caminho das pedras:
O respeitado jornal "El País" publicou uma reportagem na semana passada tentanto explicar o sucesso de "Colgando en tus manos". Mas é inexplicável.
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20 de agosto de 2009

Cadê a grana? / Dame la pasta

Um estudo recém-divulgado diz que Madrid é a 26ª cidade mais cara do mundo. Faz sentido.

Uma salada grande (e sem gosto) do McDonald’s sai por 6 euros (18 reais). Um almoço num restaurante qualquer não fica por menos de 10 euros (30 reais). Copiar três chaves de casa custa consideráveis 20 euros (60 reais).

Mas nem tudo é “facada” na capital espanhola.

O transporte público de Madrid é um dos mais baratos da Europa. O bilhete de metrô ou de ônibus para dez viagens vale 7,40 euros (uns 22 reais), sem contar que há bilhetes ainda mais econômicos de uma semana e um mês. Os jornais custam, em média, pouco mais de 1 euro (3 reais). Num supermercado barato, a bandeja de seis iogurtes sai por 1 euro.

Na época das rebajas, as roupas saem quase graça. Já vi calças jeans —de boa qualidade— por 10 euros (30 reais). Com as companhias aéreas low-cost, pode-se viajar para Portugal (ida e volta) por 20 euros (60 reais).

Madrid é cara, mas é barata.

Cara para quem ganha em reais, barata para quem ganha em euros.

Ricardo põe legenda na foto:
Essa foi a conta de um jantar em Madrid. Uma salada e um refresco ficaram em 30 reais. Ainda bem que o periódico me dava "tique".

Ricardo conta ao pé do ouvido:
As cidades mais caras do mundo, segundo o estudo do banco UBS, são Oslo, Zurich, Copenhagen, Genebra, Tókio, Nova York, Helsinki, Viena, Paris e Dublin. Barcelona (22ª) é mais cara que Madrid (26ª), de acordo com a pesquisa. São Paulo (42ª) é mais cara que o Rio (48ª). Caracas aparece como uma das mais caras (12ª), mas só pode ser por causa do câmbio oficial do dólar, engessado pelo governo Chávez, que é bem diferente do dólar real do mercado negro.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Aqui está, na íntegra, o estudo do UBS.
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13 de agosto de 2009

Nós, os "cariocas" / Nosotros, los "cariocas"

Os espanhóis continuam barrando brasileiros no aeroporto internacional de Madrid, mas, mesmo assim, ainda são fãs incondicionais do nosso povo e do nosso país.

Se antes, ao ser apresentados a um brasileiro, naturalmente reagiam falando de futebol e Pelé, agora os comentários são invariavelmente sobre o nosso presidente da República. “¿Y Lula?” foi a pergunta que mais ouvi nos seis meses em que estive na Espanha.

A essa pergunta genérica e quase automática, os espanhóis esperam um discurso emocionado sobre a preocupação do governo petista com os pobres. É uma expectativa que se vê nos olhos. Os europeus não disfarçam a fascinação que sentem pelo operário e sindicalista que se tornou o chefe do maior país latino-americano.

O jornal El País, por exemplo, tem mais que interesse pelo Brasil. Chega a ser um verdadeiro transtorno obsessivo-compulsivo. A cada semana saem três ou quatro notícias sobre o nosso país. Qualquer autoridade brasileira de visita pela Espanha ganha uma entrevista de página inteira, mesmo que não tenha novidade nenhuma a dizer. Se tem a ver com o Brasil, é notícia automaticamente.

Quando o Comitê Olímpico Internacional esteve em Madrid para avaliar se a cidade tem condições para sediar as Olimpíadas de 2016, ouvi de muita gente que a candidata que mais tem chances de vencer é o Rio. Mas e a violência? A corrupção? A falta de infra-estrutura? Para os espanhóis, nenhuma deficiência, por pior que seja, consegue superar a alegria dos brasileiros. É o que basta para levar uma Olimpíada para o Brasil.

Isso, claro, tem muito a ver com os estereótipos plantados pelo Brasil no exterior sobre si mesmo. Já vi espanhol perplexo ao ouvir que pessoalmente no me gusta el fútbol, não sei bailar la samba e tampoco levo jeito para luchar la capoeira.

Os espanhóis conhecem a caipirinha, mas muitos acham que carioca é sinônimo de brasileño. Não se assuste se ler em algum lugar que Lula é el presidente carioca.

Os espanhóis garantem que amam a música brasileira, mas muitos não sabem enumerar ninguém além de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Os espanhóis dizem que morrem de vontade de conhecer Salvador de Bahía, mas muitos não sabem que existe um local chamado São Paulo, que por acaso vem a ser a maior cidade do país.

Os espanhóis sabem que garota significa chica (por causa da música Chica de Ipanema), mas muitos acham que a língua que se fala no Brasil é o brasileño. E olha que Portugal está bem ali do lado...

Ricardo põe legenda na foto:
O brasileiríssimo Pelé é garoto-propaganda do Santander nessa publicidade vista numa estação de metrô de Madrid. Os clientes que transferem a conta-salário para o banco podem ganhar um dia com “o rei”.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Sempre ávido pelo Brasil, o jornal El País entrevistou o nosso ministro da Justiça. Tenho sérias dúvidas se um jornal brasileiro daria uma página inteira para o ministro da Justiça da Espanha (que lá se chama ministro do Interior)... O ministro Tarso Genro falou que o apoio do presidente Lula é o handicap da ministra Dilma Rousseff nas próximas eleições para a Presidência. O jornalista espanhol não sabia que no Brasil, sabe-se lá o motivo, handicap é uma coisa positiva. No resto do mundo, como é o correto, handicap é algo negativo. Resultado: o El País cometeu uma gafe internacional ao publicar que Lula vai atrapalhar Dilma, e não ajudá-la.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Veja a reportagem furada do El País e a subsequente queixa do ministro Tarso Genro.
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11 de agosto de 2009

Para alegria das empreiteiras / El caos de la ciudad

Que linda é Madrid! Mas não deixem de me avisar quando encontrarem o tesouro...

A ironia veio do ator Danny De Vito quando esteve em Madrid alguns anos atrás para o lançamento de um filme. Na época, a cidade estava de cabeça para baixo, tomada por centenas de obras públicas.

A situação hoje não é muito diferente. Quem caminha por Madrid se sente em plena trincheira, no meio da linha de tiro. É quase impossível andar pela cidade sem deparar com tapumes no meio do caminho.

O governo está construindo terminais de ônibus e estacionamentos subterrâneos, aumentando calçadas, transformando ruas para carros em ruas para pedestres, ampliando as linhas do metrô... São cerca de 250 obras em curso.

O quebra-quebra ocorre em locais nevrálgicos da cidade, como as calles de Serrano e de Fuencarral, as plazas de Colón, Castilla e Callao, o paseo de los Recoletos e a Puerta del Sol.

Peguemos como exemplo o quilômetro zero da cidade. Além dos tapumes, dos tratores, dos pedreiros e de montes de areia, a Puerta del Sol está cheia de policiais patrulhando a área, gente distribuindo folhetos de compro ouro, carteristas atentos aos turistas que tiram fotos distraídos, madrilenhos esperando amigos embaixo da famosa estátua do urso, funcionários se dirigindo à sede do governo da Comunidade de Madrid... Passar, hoje, pela Puerta del Sol é como competir numa corrida com obstáculos.

Apesar da poeira, do barulho e do trânsito (relativamente) caótico, os madrilenhos não reclamam. E a imprensa também não. Têm a consciência de que são obras que vão deixar a cidade melhor.

Ricardo põe legenda na foto:
As obras praticamente esconderam a famosa estatua ecuestre de Carlos III na Puerta del Sol. Nessa praça, bem no coração de Madrid, as vias para os pedestres estão sendo aumentadas, saídas do metrô estão sendo reformadas e uma estação de trens acaba de ser construída.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
"Já encontramos o tesouro", disse na semana passada o prefeito Alberto Ruiz-Gallardón, referindo-se à brincadeira citada no começo deste texto. "São os madrilenhos, sem dúvida nenhuma." Político é político.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Neste mapa animado do site Elmundo.es, pode-se ver em vídeo quais são as principais obras em curso na capital espanhola.
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7 de agosto de 2009

As velhas pesetas / Las viejas pesetas

Os espanhóis gostam de dizer que os portugueses são nostálgicos, vivem presos à sua história de glória, são avessos à modernidade... Pode até ser verdade, mas esses mesmos espanhóis que apontam o dedo para os vizinhos também têm lá uma pontinha de apego ao passado.

O euro é a moeda corrente da Espanha desde 2002, mas até hoje tem muito espanhol que se refere a preços e valores utilizando a peseta, a velha moeda do país.

Mas não é como no Brasil, onde quem diz "10.000 réis", "10 contos" ou "10 cruzeiros" obviamente se refere a 10 reais. Na Espanha, ao contrário, não é uma mera questão de vocabulário. Se uma pessoa diz "160.000 pesetas", por exemplo, ela está se referindo à quantia de 900 euros.

Em 2002, quando a antiga moeda deixou de valer, 166 pesetas equivaliam a 1 euro.

Ainda hoje, sete anos depois da morte das pesetas, o Banco de España recebe pessoas querendo trocar suas notas velhas por euros. Aquelas mesmas 166 pesetas ainda equivalem a 1 euro.

No mês de junho, os espanhóis trocaram 332,7 milhões de pesetas por 2 milhões de euros. O Banco de España estima que ainda haja 1,7 bilhão de pesetas no país.

Conclusão: os espanhóis guardam dinheiro debaixo do colchão! E depois dizem que quem vive no passado são os pobres dos portugueses...

Ricardo põe legenda na foto:
Se colocar cartaz, terá de pagar uma multa de 500 pesetas! A mensagem foi vista num muro de Sevilha.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Minha última compra no supermercado em Madrid ficou em 15,40 euros. Para facilitar a vida dos nostálgicos, a nota fiscal trouxe o total também en pesetas: 2.562. A propósito, a peseta foi criada em 1869. Antes dela, a moeda da Espanha era o escudo espanhol.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Quer saber quanto valem as suas pesetas? Faça as contas nesta calculadora.
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6 de agosto de 2009

A gangue da marcha à ré / Los aluniceros

Pelo menos uma vez por semana os jornais de Madrid noticiam algum caso de alunizaje na cidade.

É o crime em que os ladrões usam um carro para invadir uma loja e levar mercadorias de valor. De ré, eles aceleram o veículo contra a vitrine, estilhaçam o vidro e entram com facilidade no estabelecimento. Vão de ré porque dessa forma sofrem menos impacto.

Em São Paulo, esse tipo de quadrilha é conhecido como "gangue da marcha à ré".

Segundo as estatísticas da polícia, foram registrados 116 casos de alunizaje ao longo deste ano na região metropolitana de Madrid. Ou seja, um roubo a cada dois dias.

Os alvos preferenciais dos ladrões são as boutiques de grife e as joalherias. Eles atacam principalmente de madrugada e no meio da tarde, quando as lojas estão fechadas para a famosa siesta.

Na tentativa de se proteger, os lojistas têm pedido que orelhões e árvores sejam colocados bem na frente de suas vitrines, bloqueando assim o caminho dos carros dos bandidos.

Vejamos a coisa pelo lado positivo. Os aluniceros e os carteristas (batedores de carteira) são os deliquentes que mais perturbam a paz de Madrid. Melhor isso que sequestro e assalto a mão armada, ¿no es cierto?

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Alunizaje significa "aterrissagem na Lua" (da mesma forma que aterrizaje é "aterrissagem na Terra"). O crime ganhou esse apelido porque o carro dos assaltantes entra na loja em questão de ré, da mesma forma que os foguetes espaciais aterrissam na Lua.

Ricardo põe legenda na foto:
Numa manhã da semana passada, quando ia para o jornal, deparei com essa cena. O banco que fica bem atrás do meu prédio foi invadido por uma BMW vermelha. Os aluniceros conseguiram fugir com algum dinheiro. Até comecei a apurar a história, mas no local já estava um colega do meu jornal...

Ricardo dá o caminho das pedras:
Aqui está o vídeo sobre o assalto ao banco. Note que, nesse caso, o carro não foi de ré.
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29 de julho de 2009

Shop till you drop

Estamos na época ideal para comprar até nao poder mais. Julho é o mês das famosas rebajas na Espanha e no resto da Europa.

Sao promoçoes que deixam ainda mais loucos os compradores compulsivos. Produtos --principalmente roupas-- que antes eram apenas "bons" e "bonitos" tornam-se também irresistivelmente "baratos". Os descontos chegam a 75%.

Tênis de marca custam 35 euros. Casacos pesados e calças jeans, 15 euros. Camisas de manga comprida saem por 5. Camisetas, até por 3 euros.

Mesmo com a famigerada crise, as lojas de Madrid ficam cheias e nas ruas só se vê gente com sacolas na mao.

Existe uma lei nacional que regula as rebajas na Espanha. E ela manda que os descontos se apliquem sobre os preços reais: nao há aquele velho golpe de jogar o preço lá em cima antes de aplicar o desconto. E que as peças nao tenham defeito: a liquidaçao nao é truque para se livrar das peças encalhadas.

Além de julho, há rebajas também em fevereiro. Segundo a lei, a primeira temporada de promoçoes deve ocorrer al principio de año e a outra, en torno al período estival de vacaciones.

Em fevereiro, ficam baratas as roupas de frio. Em julho, as de verao. Prepare o cartao de crédito.

Ricardo põe legenda na foto:
A vitrine da loja de departamento El Corte Inglés anuncia suas rebajas. O garoto-propaganda é o cantor brega venezuelano Carlos Baute.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Os preços sao tao baixos na Espanha que sao altas as chances de você acabar comprando, por impulso, coisas de que nao precisa ou que nunca vai usar no Brasil.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Ir a lojas de departamento como Zara e H&M vira passeio turístico para a tarde inteira. Coincidência ou nao, há sempre uma Zara ao lado de uma H&M. Ou vice-versa.
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22 de julho de 2009

O espanhol das arábias / El castellano de las arabias

Quem cruza o estreito de Gibraltar e chega ao norte da África entra em outro mundo. Falo especificamente de Marrakech, em Marrocos.

As mulheres se cobrem de véus dos pés à cabeça, os homens deixam a barba crescer apenas embaixo da mandíbula, os camelos estão em todos os lados, os microfones das mesquitas chamam à oração várias vezes ao longo do dia, comprar qualquer coisa significa pechinchar até o último centavo/saliva/resto de energia, atravessar a rua é praticamente um ato suicida, o couscous está obrigatoriamente em todos os restaurantes, os encantadores de najas tocam suas flautas no meio da praça...

Mas no tradicional mercado de Marrakech, o mesmo onde se pechincha até o último centavo/saliva/resto de energia, os vendedores falam espanhol. E muitíssimo bem.

Mas em Marrocos não se fala árabe? Sim. E também não se fala francês? Oui, oui.

É que Marrakech está sempre tomada por turistas espanhóis. A famosa cidade marroquina fica a menos de duas horas de voo de Madrid. Os voos são baratos, uns 100 euros ida e volta.

Como hábeis comerciantes, os árabes usam todas as técnicas para fazer o cliente comprar um lenço colorido, uma sandália de couro, uma prato de cerâmica, um chaveiro de camelo, uma camiseta com as cores da bandeira marroquina, uma tatuagem de henna, um copo de suco de laranja feito na hora...

Falar espanhol é uma dessas técnicas.

A turista que aparenta ser espanhola é carinhosamente chamada pelos vendedores de guapa ou María José. E se ela esclarece em castelhano que não é bem espanhola, o vendedor não desiste. Com um sorriso no rosto, insiste: ¿México? ¿Guadalajara? ¿Gripe del cerdo?

Ricardo põe legenda na foto:
A praça central de Marrakech, onde fica o famoso mercado, numa vista noturna.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Quem não sabe espanhol também consegue pechinchar tranquilamente no mercado de Marrakech. Os vendedores têm suas calculadoras para que ambas as partes apresentem aí suas propostas e contra-propostas. Os números são tão mais importantes que o idioma que juro que vi uma amiga negociando preço nesse mercado com um vendedor... mudo!

Ricardo dá o caminho das pedras:
Este vídeo dá uma boa ideia de Marrakech.
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21 de julho de 2009

O chinês do mercadinho / El chino del mercadito

Sabe-se lá por quê, nove em cada dez padarias do Rio de Janeiro pertencem a um português. Em Madrid, o equivalente ao "português da padaria" é o "chinês do mercadinho".

A cidade está cheia de mercadinhos com placas em que se leem alimentación e frutos secos. São estabelecimentos meio precários, não muito higiênicos e pouco iluminados que vendem de salsichão a papel higiênico, de frutos do mar enlatados a envelope de carta, de vinho tinto a cigarro.

A vantagem é que ficam abertos depois que os supermercados fecham.

No caixa, invariavelmente, está o dono do estabelecimento: um chinês, acompanhado de sua mulher chinesa e de seus filhos chineses, todos assistindo a algum filme chinês bizarro num laptop chinês ligado ao lado da caixa registradora.

Achar umas fatias de queijo no refrigerador do mercadinho, por exemplo, é tarefa complicada. Para começar, é um refrigerador vertical, daqueles de expor refrigerante e cerveja no supermercado. E o pacote de queijo está escondido nessas prateleiras frias (mas não muito) no meio de salames, picolés, presuntos, iogurtes e sanduíches prontos.

Os chinos, como são carinhosamente (sic) chamados (tanto os donos como os mercadinhos), são a salvação quando bate aquela fome às 11 da noite. Ou quando as bebidas acabam bem no meio da festa no fim de semana.

Os chineses dos mercadinhos se esforçam para ser simpáticos. Assim que alguém entra no local, o dono dá as boas-vindas com um hola mecânico. O melhor é quando ele diz o valor a ser pago: Cuatlo eulos con cualenta céntimos.

Chino é chino em qualquer lugar do mundo.

Ricardo põe legenda na foto:
Um dos milhares de chinos de Madrid.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
O chino não vai querer te vender bebida alcoólica às 10 da noite. É que a venda desse tipo de produto está proibida fora de bares e restaurantes quando cai a noite. Mas se você insistir um pouco, o chino acaba te vendendo a bebida. Mas ele vai te pedir que, por favor, esconda a garrafa dentro da mochila por causa dos policiais que garantem a ordem pública nas ruas.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Os chineses também são vendedores ambulantes de cerveja na noite madrilenha.
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7 de julho de 2009

Estación en curva

O jornal onde eu trabalho é um dos mais influentes da Espanha, mas não tem nenhum carro para levar os repórteres às pautas.

Explico.

O sistema de transporte público de Madrid é tão eficiente que desencoraja o uso dos carros. Há duas estações de metrô perto do jornal. E o metrô de Madrid leva a todos os cantos da cidade. Eu disse todos os cantos da cidade.

São quase 300 estações espalhadas pela região metropolitana. O Rio de Janeiro, uma cidade maior que Madrid, tem menos de 40 estações.

O metrô leva ao aeroporto de Barajas (são duas estações lá dentro), aos terminais rodoviários, às estações de trem, ao estádio do Real Madrid, ao Parque do Retiro, à Gran Vía, ao Museu do Prado e aonde mais você quiser.

Está pensando em estações escuras como as de Roma? Linhas confusas como as de Paris? Ou vagões emporcalhados como os de Nova York? Nada a ver.

As estações são bem iluminadas e os trens estão sempre limpinhos. Ninguém fica andando para lá e para cá como barata tonta porque as estações estão muito bem sinalizadas. Cada linha tem uma cor e um número.

A passagem do metrô de Madrid é uma das mais baratas da Europa. Um euro.

Além disso, os trens passam a cada três ou cinco minutos. O serviço funciona até a uma e meia da manhã. E um simpático casal de dubladores (essa é a profissão original deles) de voz empostada anuncia a próxima estación.

Assim como em Londres, eles alertam para o espaço entre o vagão e a plataforma. Em vez do clássico "Mind the gap", a espanhola do metrô --muito mais dramática-- exclama:

"Atención: estación en curva. Al salir, tengan cuidado para no introducir el pie entre coche y andén".

Exagero. O metrô de Madrid é tão bom que o espaço entre o vagão e a plataforma (o tal buraco onde você pode desatentamente enfiar o pé) não tem mais que uns 15 centímetros. Ninguém em sã consciência cai ali dentro.



Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
Na foto, o nome que deu origem a este blog. O vídeo mostra a chegada à mítica Diego de León, que me deixa quase na porta de casa. Preste atenção ao diálogo entre o locutor e a locutora ao anunciar a próxima estación e a correspondencia con.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Se você é um imigrante ilegal, é melhor evitar estações movimentadas, como a Avenida de América. Na saída costumam estar policiais ávidos por clandestinos desavisados.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Este é o mapa que se distribui gratuitamente em todas as estações do metrô. Dou uma tapa (não um tapa) a quem achar a idolatrada Diego de León nesse mundo ferroviário.
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5 de julho de 2009

Cuidado, filme dublado / Atención, película doblada

Que tal ir ao cinema ver o último blockbuster americano? Cuidado, porque é quase certo que o filme vai estar dublado.

Dublado? Mas é um drama que pode ganhar o Oscar, não um desenho da Disney para crianças...

Não importa. O filme vai estar dublado.

Se quiser ver no idioma original, com legendas, vai ter que procurar um cinema alternativo, circuito cult, gente moderna.

Os espanhóis simplesmente não estão acostumados às legendas. Não gostam de ver a história num idioma que não entendem e ao mesmo tempo ler as falas traduzidas para o espanhol. Não gostam, não conseguem ou não querem.

Nos anos 40, a ditadura do General Francisco Franco baixou uma lei que tornava a dublagem dos filmes estrangeiros obrigatória. Era para conservar a pureza do espanhol? Para nada. Era uma forma bastante eficaz de controlar o conteúdo que chegava do exterior.

A ditadura franquista não gostava de nada que remetesse à democracia e à liberdade ou que ameaçasse a moral católica e os bons costumes.

O exemplo mais clássico (ou trágico ou cômico) é "Mogambo", de 1953, dirigido por John Ford e estrelado por Clark Gable e Grace Kelly. No filme que o mundo inteiro viu, a história gira em torno de uma mulher que trai o marido num safári africano. No filme que só a Espanha viu, as falas transformaram marido e mulher em... irmãos! Assim, nunca houve adultério na versão espanhola. Nada de maus exemplos neste país.

Os nomes de todos os filmes também são traduzidos. Isso, porém, vem de uma tradição mais antiga. Aqui, a rainha Elizabeth da Inglaterra é conhecida como Isabel. O príncipe Charles, Carlos. E os dois filhos dele, os príncipes William e Harry, Guillermo e Enrique.

O pensador alemão Karl Marx é Carlos Marx. A cidade belga de Antuérpia se chama Amberes. Anne Frank, a do diário, virou Ana Frank. E a banda U2, atenção, ganhou o nome de u dos.

Ricardo põe legenda na foto:
Até o Wolverine foi espanholizado.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Como têm tudo mastigadinho na língua materna, os espanhóis não se preocupam em aprender outros idiomas. Aqui, ao contrário do Brasil, não se encontra uma escola de inglês em cada esquina.

Ricardo dá o caminho das pedras:
¿Quién quiere ser millonario? foi o primeiro filme que vi na Espanha. Na entrada do cinema não havia nenhum aviso de que estava dublado. Foi estranho ouvir um menininho indiano gritando coño.
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1 de julho de 2009

Sol de rachar a cabeça / Cómo hace calor en esta ciudad

Numa das inesquecíveis lições de espanhol no CCAA, uma das personagens exclama: ¡Cómo hace frío en esta ciudad!

Em Madrid, nesta época do ano, é o contrário. ¡Cómo hace calor en esta ciudad!

Na capital espanhola ou faz frio de congelar as bochechas ou calor de derreter os neurônios. Quando o inverno inclemente vai embora, é imediatamente substituído pelo verão inclemente.

Dias agradáveis, sol morno, brisa fresca, cheiro de orvalho... nem pensar. Não há término medio.

Pela manhã faz calor. À tarde faz calor. De noite faz calor. Na madrugada faz calor.

Andar na rua é um inferno. O sol pesado joga todos os seus raios UV na cabeça dos transeuntes. E eles (os raios, não os transeuntes) queimam.

Para piorar, Madrid está bem no centro da Península Ibérica, longe do Mar Mediterrâneo, do Mar Cantábrico e do Oceano Atlântico. Umidade, só na pia do banheiro e da cozinha. Os poucos ventos que sopram aqui são secos. E quentes. A sensação térmica é de deserto. Uma verdadeira estufa.

Os madrilenhos dizem que os dias de verão são bochornosos. Bochorno é o aire caliente y molesto que se levanta en el estío.

As senhorinhas, outrora com casacos de pele cheirando a mofo, nesta época do ano passeiam pelas ruas com sombrinhas protegendo a cabeça e leques refrescando o rosto.

Ricardo põe legenda na foto:
Essa foto foi tirada hoje --acredite-- às dez horas da noite.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Dormir com as janelas abertas ajuda. Um pouco.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Como faz São Paulo, Madrid também improvisa suas praias.
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29 de junho de 2009

Espanha, uma torre de Babel / España, una torre de Babel

Os sotaques podem mudar de uma região para outra, mas em toda a minha Minas Gerais natal se fala um único idioma: o mineirês, uai. A Espanha, ao contrário, é uma verdadeira torre de Babel. E é menor que MG.

O espanhol, idioma oficial do país, vive com quatro línguas co-oficiales. Na Espanha também se falam o catalão, o galego, o basco e o aranês.

Nunca mencionaram isso no seu cursinho de espanhol, no es cierto? No meu tampoco.

Antes de ser o país que é hoje, a Espanha estava dividida entre vários territórios. Quem os unificou --depois de expulsar os muçulmanos da Península Ibérica-- foram Isabel de Castela e Fernando de Aragão, os "reis católicos", no final do século 15.

As línguas sobreviveram.

O catalão se fala na região de Barcelona. É uma mistura de espanhol, italiano, francês e --por que não?-- português. Muito perto de você, um dos slogans do McDonald's, virou Molt aprop teu na Catalunha. A propaganda do Aquário da capital catalã diz que Si no has estat aquí, no has estat a Barcelona.

Nas ilhas Baleares (onde ficam Palma de Mallorca e Ibiza) e em Valência (a terra da famosa paella) falam-se variantes próprias do catalão.

O galego é a língua que se fala na região de Santiago de Compostela, na fronteira com Portugal. É o verdadeiro portunhol.

Um anúncio feito hoje no site do governo da Galicia: O secretario xeral para o Deporte, Xosé Lete, mantivo unha xuntanza co delegado territorial en Ourense para perfilar as necesidades que existen na provincia de instalacións deportivas. Soa familiar, não?

O basco é a língua da região de Bilbao. Como não tem origem no latim, não se parece com nenhum idioma que eu conheço. Um dos jornais do País Basco dá hoje a seguinte notícia: Gaur egin diote autopsia Michael Jackson zenaren gorpuari heriotza zehazki zerk eragin zion argitzeko. Entende?

Quanto ao aranês, bueno... nunca ouvi falar.

As quatro línguas sobreviveram apesar de o General Franco ter tentado exterminá-las. O ditador temia que os idiomas locais de alguma maneira incentivassem o separatismo nessas regiões.

Não quer dizer que em Barcelona só se fale català ou que em Bilbao apenas euskara. Praticamente todo mundo na Espanha tem o espanhol como língua materna ou pelo menos como segunda língua.

Nas escolas de todo o país, o espanhol é a língua oficial. Algumas comunidades autônomas (como os Estados brasileiros), porém, estão tentando rebaixar o espanhol ensinado nos colégios ao status de língua estrangeira e, portanto, com menos carga horária. A polêmica corre solta.

Nos textos oficiais, evita-se o uso da palavra español para referir-se à língua falada pela maioria dos espanhóis. Isso porque o basco, o galego, o catalão e o aranês também são línguas espanholas. Nos textos do governo, usa-se castellano.

O castellano tem esse nome porque é a língua que se falava no reino da católica Isabel de Castela.

Ricardo põe legenda na foto:
No supermercado Eroski, os produtos são etiquetados nas grandes línguas da Espanha. O queijo ralado está escrito, na ordem, em espanhol, basco, catalão e galego. O nome Eroski, como se deduz, tem origem basca.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Se você sabe italiano ou francês, consegue ler em catalão. Agora entender quando eles falam, isso já é outra coisa...

Ricardo dá o caminho das pedras:
Os espanhóis levam com bom humor a diversidade linguística do país. Neste vídeo, o aeromoço impõe o castelhano ao basco, à catalã e ao galego que viajam no avião.
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22 de junho de 2009

É avião, mas parece ônibus / Peor que autobús

Na Europa proliferam as companhias aéreas de baixo custo, as "low cost". As mais conhecidas na Espanha são Ryanair, Vueling e EasyJet. Nada a ver com o padrão Gol. Barato é barato mesmo.

Um exemplo que vi outro dia: um voo de Madrid ao Porto, ida e volta, por 20 euros. No geral, os preços para as principais cidades europeias ficam entre 40 e 70 euros.

É assim que os alemães passam o fim de semana em Palma de Mallorca. Os ingleses, em Malta. E os franceses, em Sevilha.

Em compensação, que não se espere nada das empresas. Absolutamente nada! Milhas? Ha! Travesseirinho? Ha ha! Um suco de laranja com gelo, por favor? Três vezes ha!

Quer despachar mala? Vai pagar. Quer escolher assento? Vai pagar. Quer comer um sanduichinho? Vai pagar. Quer ler o jornal do dia? Vai pagar. Quer um assento que recline? Nem pagando.

Se não quiser pagar taxa, o passageiro só deve levar uma mala. E que não seja grande nem pesada. E ai de quem se fizer de desentendido...

As empresas têm uma caixinha metálica no portão de embarque para verificar se a bagagem de mão não foge das exigências "low cost". Se a mala entrar no quadradinho, beleza. Mas se não entrar, não embarca mesmo.

É comum ver na fila de embarque passageiros desesperados amassando a roupa para deixar a mochila menor. Ou então vestindo casaco tirado da mala quando no aeroporto o calor beira os 40 graus. Já vi gente transferindo roupa para a bagagem do amigo. E ouvi gaiato dizendo que levaria meia na mão (tipo luva) e cueca na cabeça (tipo gorro). Tudo para burlar a "low cost".

O passageiro "low cost", em razão disso tudo, acaba se tornando um ser meio selvagem. Como não há lugar marcado no avião, as pessoas precisam correr para pegar os melhores assentos. Se em algum momento um passageiro resolve começar a fila para o embarque, mesmo que não haja nem sequer um funcionário da empresa no guichê, um monte de gente corre atrás. Em poucos segundos, se vê uma fila quilométrica na frente do portão. E as pessoas podem passar mais de meia hora ali, de pé, fila de banco.

Não espere aeromoças simpáticas. Nem com cabelos bem cortados. Afinal, para as passagens serem tão baratas, o salário delas deve ser diretamente proporcional. Metade dos passageiros ainda está acomodando suas humildes mochilas nos "compartimentos superiores" e elas já estão advertindo no alto-falante que, se não se sentarem imediatamente, o voo vai atrasar. E gritam mesmo: "Sit down!".

Não duvido que o avião levante voo enquanto os passageiros ainda estão de pé no corredor procurando lugar para guardar a mala.

As compras e as informações são pela internet. Afinal, ter loja implica gastos extras e passagens mais caras. Se quiser mudar um voo, o preço da troca vai ser mais alto que a passagem. Se quiser tirar alguma dúvida pelo telefone, a conversa também pode sair mais cara que o bilhete. O minuto para entrar em contato com a central telefônica da Ryanair, por exemplo, custa mais de R$ 3.

O check-in também é pela internet. Esqueceu de imprimir em casa o cartão de embarque? Então é bom que tenha R$ 60 no bolso para fazer o check-in no aeroporto. E não adianta gritar com a funcionária da "low cost", porque ela grita mais alto que você. Ameaças do tipo "me dá teu nome que eu vou te denunciar ao Procon" não intimidam.

E mandar uma queixa à empresa também é complicado. Eles dizem que não têm e-mail. E que as reclamações só se fazem por fax. Consegue ver uma lata de lixo bem na frente do aparelho de fax da companhia aérea? Eu também.

É fácil viajar barato. Mas pode custar caro.

Ricardo põe legenda na foto:
Nas entrelinhas da caixa metálica da Ryanair que mede o tamnho da mala, consigo ler o seguinte: Se não está satisfeito, passageiro, por que veio?

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Recentemente se noticiou aqui que uma "low cost" quer cobrar até pelo uso do banheiro do avião. Dá medo.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Estas são imagens reais de um voo "low cost" na Europa. E este é o site da empresa em questão.
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16 de junho de 2009

Sexo, drogas & bicicletas

Em Amsterdam, existe um canal de água para cada rua. E existem várias pontes sobre cada canal. Os barcos vêm e vão.

As bicicletas estão em todos os lados, rodando ou estacionadas. Os carros não têm vez e os bondes tocam uma sineta antes de arrancar.

Algumas ruas estão sempre cheias de gente. Outras estão sempre vazias. De vez em quando um carro cai num canal. De vez em sempre uma bicicleta cai num canal.

Os sex shops aparecem em cada esquina. Os coffee shops também. Mas --atenção!-- os coffee shops são diferentes das cafeterias. Em todos os lados se vê fumaça de erva.

Nas vitrines da luz vermelha, as moças olham nos olhos do possível cliente e, atrizes canastronas, suspiram "uau!".

Os restaurantes de carne argentina estão na moda. Os croquetes são vendidos em máquinas que funcionam com moedas.

Cada praça (ou plein) tem sua estátua. Os museus são para todos os gostos, de Van Gogh a Anne Frank e de história holandesa a história do sexo.

Dos velhos moinhos de vento, restam dois. O mercado de tulipas surge no coração da cidade para confirmar outro velho clichê.

E a estação central de trem dá as boas vindas a gente do mundo inteiro.

Não pode haver no mundo cidade mais encantadora que Amsterdam.

Ricardo põe legenda na foto:
Um dos dois moinhos que ainda existem dentro de Amsterdam.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Para os portugueses, a cidade se chama Amsterdão.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Veja aqui o que se aconselha ao alugar uma bicicleta em Amsterdam.
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11 de junho de 2009

Às 8 da tarde / A las 8 de la tarde

O relógio tem outro ritmo na Espanha.

Ontem acudí a uma entrevista coletiva na sede da Comunidade de Madrid. Estava marcada para as 12h, mas só começou às 13h. Um jornalista revoltado comentou que, se tivesse sabido desse atraso, teria dormido uma hora a mais...

Quer dizer que para estar num evento ao meio-dia é preciso cair da cama? Para muitos espanhóis, sim...

Me lembro que o corretor que nos alugou o apartamento arregalou os olhos quando sugeri que assinássemos o contrato às 8h. Minha academia só abre às 9h. No jornal onde eu trabalho, ninguém sai para almoçar antes das 14h30.

Os espanhóis dormem tarde. E também acordam tarde. Por isso, o quadrante do relógio aqui está dividido de outra maneira.

A manhã vai das 9h às 15h, mais ou menos. E a tarde, das 15h às 21h.

Aqui se diz, por exemplo, "oito da tarde" para as 20h. E "duas da manhã" para as 14h.

Caso a assessora de imprensa diga que vai ligar para você na primeira hora da manhã, não se preocupe. Não vai ser tão cedo como parece...

Ricardo põe legenda na foto:
Um relógio na Gran Vía, a avenida mais famosa de Madrid.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Depois de um tempo na Espanha, dormir antes das 2h fica quase impossível.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Madrid marca a mesma hora de Roma e Estocolmo, mas está uma hora à frente de Lisboa. Veja aqui.
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2 de junho de 2009

Atenção, turistas! / ¡A turistear!

Nestes quatro meses de turismo intensivo, aprendi algumas lições valiosas para aproveitar mais e ter menos dor de cabeça nas viagens. Compartilho com ustedes os mandamentos do turisteo:

1. Conheça os pontos turísticos da cidade visitada antes de chegar lá. Como? Compre um guia. Traçar uma rota dos lugares e das atrações a visitar poupa muito, mas muito tempo.

2. Antes de reservar um hotel, leia resenhas de hóspedes. As fotos colocadas na internet pelo próprio estabelecimento podem ser capciosas. Um bom site de avaliações é o Trip Advisor.

3. Verifique se a cidade tem visitas guiadas grátis. O grupo New Europe oferece isso em umas dez cidades europeis. E faça esse passeio logo no primeiro dia. Conhecendo de cara as principais atrações, nos dias seguintes você poderá voltar com calma às que tiver considerado mais interessantes.

4. Procure saber se a cidade tem passes de transporte especiais para turistas. Esses passes valem por certo número de dias e dão direito a viagens ilimitadas. Normalmente valem para metrô, trem, bonde e ônibus. São bem econômicos.

5. Leve uma mochila durante os passeios.

6. Dentro dessa mochila carregue água e algo de comer (barra de cereal ou chocolate, por exemplo). Haverá lugares onde simplesmente sem comida. Imagine-se com fome e preso numa fila de três horas para entrar nos museus do Vaticano...

7. Guarde um casaco leve dentro da mochila. E se a temperatura cair repentinamente à noite?

8. Verifique a previsão do tempo para saber se a temperatura cairá repentinamente à noite.

9. Leve também escova de dente e filtro solar na mesma mochila. Fazem falta.

10. Ponha nos pés um tênis confortável. Nada de All Star, sapato ou chinelo. Um calçado inadequado no primeiro dia pode arruinar uma viagem inteira.

11. Ande com o passaporte e a carteira no bolsa da frente da calça. Os batedores de carteira se proliferam melhor em lugares cheios de turistas.

12. Leve o telefone do cartão de crédito anotado num lugar seguro. Se o cartão for roubado (toc toc toc), ele deve ser bloqueado imediatamente.

13. Gostou daquela lembrancinha? Então compre na hora. Se deixar para depois, poderá ser tarde demais. Ou você não terá tempo para voltar à loja ou não saberá refazer o caminho até lá.

14. Carregue a bateria da máquina fotográfica todas as noites, mesmo que ela ainda não esteja fraca. Se você não fizer isso, é batata que a máquina vai ficar sem energia bem no meio do dia.

15. Ligue a cobrar para seus entes queridos no Brasil. Para isso, anote antes o número da Embratel nos diferentes países.

Ricardo põe legenda na foto:
Um guia muito louco mostra o monumento às prostitutas do Distrito da Luz Vermelha de Amsterdam. Passeio guiado grátis!

Ricardo conta ao pé do ouvido:
A maioria das cidades da Europa tem escritorios de atendimento ao turista. Se você ainda não tem um guia, esses são os melhores lugares para obter um bom mapa. Grátis!

Ricardo dá o caminho das pedras:
Quer comprar as passagens aéreas mais baratas? Elas estão em sites como Atrápalo, Rumbo e eDreams. Quase grátis!
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1 de junho de 2009

Amigos de banheiro / Amigos de aseo

Não é gentileza, é bizarrice.

Quando entram no banheiro, os espanhóis cumprimentam todo mundo que está ali dentro. É um tal de hola para lá, qué tal para cá...

Você até leva susto, achando que conhece o interlocutor. O esforço para tentar lembrar o nome é inútil, porque você realmente não o conhece, nunca trocou meia dúzia de palavras com ele na vida.

Digo que não é gentileza porque, uma vez fora do banheiro, essas mesmas pessoas voltam a se fechar em seus mundos. Dizer hola fora do banheiro? Nem pensar! Que fique claro: banheiro é lugar de socialização, corredor não.

É assim no trabalho, é assim na academia.

E na hora de ir embora do banheiro é a mesmíssima coisa. Hasta luego para todos vocês, meus amigos, que ficam. Que medo!

Ricardo põe legenda na foto:
A indicação dos aseos do jornal El Mundo.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Banheiro em espanhol pode ser aseo, servicio, baño, cuarto de baño, wáter, retrete, lavado...

Ricardo dá o caminho das pedras:
Veja algumas placas de banheiros encontradas nesta temporada.
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30 de maio de 2009

Deve ser horrível morar numa cidade assim / Los cacos

Aqui não tem bala perdida. Assassinato é coisa rara (e, quando há, é notícia para página inteira no jornal). Nunca se lê sobre estupro. E tampouco se ouve falar de assalto a mão armada. Nem sequestro? Não, nem sequestro.

O problema de delinquência número um é o carterismo. Madrid e todas as grandes cidades europeias estão cheias de batedores de carteira, mais conhecidos como carteristas, cacos ou descuideros.

Eles agem nas estações e nos vagões do metrô, nos ônibus e nas paradas, nas rodoviárias, nos bares, nas saídas dos estádios de futebol, nos pontos turísticos e onde mais houver excesso de gente.

São profissionais. Numa esbarrada rápida com a vítima, levam carteira, passaporte e o que mais estiver dando sopa no bolso.

As táticas são várias. O carterista pergunta para a vítima como se chega a tal lugar. O alvo, distraído, começa a explicar. Então aparece outro ladrão por trás, abre a bolsa ou a mochila e se apodera do que pode.

Outra forma de distrair é simular uma briga no metrô cheio. Enquanto dois cúmplices começam a gritar, o pobre coitado presta atenção ao bate-boca e, quando se dá conta, já é tarde. O que tinha de valor já foi levado.

O caco mais ousado xinga a própria vítima. Ela obviamente revida os insultos. E, com a cabeça quente, nem se dá conta de que outro delinquente veio por trás e levou a carteira.

Esses descuideros (que se aproveitam das carteiras descuidadas) passam o dia no metrô. Os policiais até já conhecem muitos de rosto.

Para serem presos, porém, precisam estar de posse da carteira surrupiada no momento em que são revistados pela polícia. E mais: o valor roubado deve superar os 400 euros. Sendo superior, há um delito. Os carteristas então são presos e processados. Mas, sendo inferior a 400 euros, há uma falta. Os cacos são apenas fichados, pagam uma multa qualquer e acabam liberados em seguida. A impunidade ajuda.

A cada dia, 60 pessoas registram boletim de ocorrência por roubo de carteira só no metrô de Madrid.

Como diz o Ancelmo Gois, deve ser horrível viver numa cidade violenta assim.

Ricardo põe legenda na foto:
Logo na saída da estação de trem de Amsterdam, uma placa avisa aos turistas que os batedores de carteira estão em todos os lados.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Carteira e passaporte, só no bolso da frente da calça. Nunca no bolso de trás nem no bolso lateral. Mochilas e bolsas também devem ir na frente. Todo cuidado é pouco.

Ricardo dá o caminho das pedras:
O problema é tão grave que a polícia de Madrid criou uma brigada exclusivamente para combater esses deliquentes.
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17 de maio de 2009

Um outro espanhol é possível / ¿Qué coño de idioma es éste?

O espanhol da Espanha é uma caixinha de surpresas. A cada dia deparo com palavras e expressões que jamais aprendi nos livros do CCAA ou escutei nas ruas de Buenos Aires.

Um homem qualquer não é um tipo, mas um tío. E uma mulher qualquer, por tabela, é uma tía. Fique tranquila se te chamarem assim. Ser uma tía na Espanha não tem relação com ser velha ou estar encalhada.

Uma "fortuna" é uma pasta, o "trabalho" é o curro, "trabalhar" é currar, uma pessoa "imbecil" é um gilipollas, uma pessoa "legal" é maja, o "mauricinho" e a "patricinha" são respectivamente pijo e pija, uma coisa "sensacional" é guay...

Quando se encontram em situações informais, perguntam ¿Qué pasa? A vontade automática é responder No pasa nada. Resposta errada. ¿Qué pasa? é a mesma coisa que ¿Cómo estás?, ¿Qué tal?...

Ah, o No pasa nada é uma frase que se escuta em cada esquina. Mas em outro sentido. Quer dizer "Não há problema". É o que o espanhol responde quando você pisa no pé dele sem querer ou quando você diz que não tem 30 centavos para emprestar para o cafezinho da máquina.

Se têm algum tipo de surpresa (positiva ou negativa), eles logo gritam ¡Joder!. O fundamental é encher a boca para soltar esse palavrão. Mas, apesar de ser forte, a palavra é banal. Eu traduziria como "uau", "caramba", "nossa" e, em mineirês, "vixe".

Sendo um palavrão, algumas pessoas -- principalmente as tías e os niños -- preferem o eufemismo ¡Jolín! Em português, como bem lembraria o Daniel referindo-se ao Mario, equivaleriam a "p*rra" e "pomba".

Expressões sexuais também faz parte do dia-a-dia. Os homens conversam entre si chamando-se corriqueiramente de macho. Exemplo: ¿Qué pasa, macho? Atenção, não existe a variante macha!

Gostam muito da palavra hombre, que pode ser o "che" dos argentinos, o "meu" dos paulistas e o "cara" dos cariocas. Hombre, no sé que le pasa a este tío... Detalhe imporante: soa esquisito, mas até as mulheres exclamam hombre quando estão de papo com as amigas.

Nos adjetivos, a Espanha é machista. Se uma coisa é muito legal, ela é cojonuda (os cojones, para usar a palavra do dicionário, são os testículos). Mas se uma coisa é péssima, ela é um coñazo (o coño, numa tradução que não choca, é a vagina). Joder, na mesma linha de raciocínio, pode ser substituído por coño num momento de muita ira.

A religião é uma fixação. Se algo não vai bem, o espanhol esbraveja que se caga en la hostia. Mas se uma coisa é boa demais, é de la hostia. O velho joder, se você não quiser ser repetitivo, pode ser trocado por hostia sem nenhum prejuízo de significado. Amém!

Os espanhóis, como bons vizinhos dos portugueses, têm expressões que dizem literalmente uma coisa e que na realidade significam justamente o oposto. Peguemos o caso do pues nada. Quando não sabem exatamente o que falar, os espanhóis ganham tempo e preenchem o silêncio dizendo pues nada. Mas isso não quer dizer que eles não tenham nada a declarar. Muito pelo contrário. Prepare os ouvidos porque, depois desse pues nada, eles vão desandar a falar...

Na mesma linha da contradição vocabular, existe na Espanha a expressão venga. Sim, venga quer dizer "venha". Mas na prática significa "vá". Mais precisamente, usam venga quando querem dizer "então tá bom, agora vamos nos despedir aqui" ou "agora eu preciso ir embora". No telefone principalmente: Muchas gracias por la información. Venga. Hasta luego.

Na hora da despedida, a propósito, hasta luego é a expressão mais usada. E o que há de diferente nisso? Talvez aí esteja um dos pouquíssimos casos em que os espanhóis não falam como escrevem. Eles dizem hasta loogoooo.

Ricardo põe legenda na foto:
A vitrine da loja da Nike na Gran Vía pede aos tíos e tías que aproveitem a promoção.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Quando entrevistei o Fito Páez aqui em Madrid, ele falou coño em uma das respostas. Perguntei se o espanhol da Espanha é tão forte a ponto de influenciar o mais argentino dos músicos. Ele respondeu: "¡Joder, no!". E caiu na gargalhada.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Ante a menor dúvida, todo espanhol consulta o diciónario da Real Academia Española. Completo, o dicionário também contém palavras da América Latina.
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12 de maio de 2009

Doce 'siesta' / La dulce siesta

É verdade. Os espanhóis tiram, sim, a famosa siesta todas as tardes.

Bem, para dizer a verdade, não sei se de fato vão para casa, se deitam e cochilam. O que sei é que no meio da tarde a maioria das lojas fecha. Os funcionários deixam as empresas. E o país praticamente pára.

O que mais me chamou quando comecei a trabalhar no jornal aqui foi a (boa) notícia de que tenho duas horas de almoço. Das 14h30 às 16h30 mais ou menos. E não adianta ficar na redação. Os chefes e os colegas não estão. Os assessores de imprensa e as fontes tampouco estão à disposição na hora da siesta.

Essa tradição espanhola tem a ver com os pratos excessivamente generosos na hora do almoço e o sol extremamente forte do meio da tarde. É sonolência na certa...

Além de almoçar, aproveito essas longas duas horas para fazer turismo por Madrid. E nos dias mais tranquilos chego a ir à academia. Estou ficando mal acostumado.

Ricardo põe legenda na foto:
Nessa loja de Madrid, os funcionários também têm o direito de cuidar da sono pós-almoço.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Qualquer dia desses vou tentar dar um pulinho no cinema no meio da tarde. Se os funcionários não estiveram tirando a siesta, claro.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Nunca vi, mas há hotéis espanhóis que alugam quartos para esse momento tão sagrado do dia.
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Elogios ensaiados / El blablablá olímpico

Os inspetores do Comitê Olímpico Internacional saíram de Madrid soltando os mais altos elogios:

— Esta cidade respira esporte!

— Estamos encantados com a hospitalidade da população!

— Ficamos muito impressionados com o projeto espanhol para os Jogos Olímpicos!

Que os espanhóis não se iludam.

Com variações semânticas mínimas, os inspetores do COI usaram as mesmíssimas frases em Chicago, Tóquio e Rio de Janeiro, as rivais de Madrid na disputa pelos Jogos Olímpicos de 2016.

As declarações são diplomáticas, ensaiadas, mornas e insossas onde quer que os avaliadores olímpicos estejam. ¡Vaya neutralidad! Temem que se acuse o COI de promover um "jogo de cartas marcadas".

As visitas dos inspetores servem apenas para o COI saber se as promessas contidas nos dossiês de cada cidade não passam de peças de ficção.

O resultado sai no começo em outubro.

Ricardo põe legenda na foto:
Um táxi presta seu apoio à candidatura madrilenha.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Nos bastidores, porém, Madrid divide com Tóquio a posiçao de patinho feio olímpico. Chicago (pelo poderoso lobby de Obama) e Rio (ó pátria amada idolatrada salve salve) são as favoritas nas bolsas de apostas.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Veja aqui a inspetora-chefe do COI e seu blablablá sobre Madrid em inglês macarrônico.
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11 de maio de 2009

Sevilha / Sevilla

Sevilha é a mais espanhola das cidades. Tudo o que se imagina da Espanha está concentrado em estado bruto na capital da Andaluzia.

Perdoem-me o clichê à quarta potência, mas Sevilha respira flamenco, respira tapas, respira touradas e respira mundo árabe.

Ir a uma apresentação de flamenco em Sevilha é obrigatório. Em cima do tablao de madeira, a bailaora sapateia forte com seus saltos e bate palmas ao som de guitarras e vozes chorosas (guitarra em espanhol é violão em português).

Só para situar: quando digo guitarras e vozes chorosas, me refiro a algo no estilo Gipsy Kings...

Turista que é turista, queixam-se os espanhóis, não sabe se comportar nem na tourada nem no flamenco. Por isso, a bailaora está acostumada a pedir silêncio repetidas vezes antes de começar sua exibição. Apesar do estresse inicial da estrela, o espetáculo é bonito.



Se puder assistir ao show de flamenco saboreando as legítimas tapas espanholas, melhor ainda. As tapas são os tira-gostos que acompanham a cerveja, o vinho ou o tinto de verano. São porções individuais de paella, croquetes, miúdos de galinha, queijo ou o inconfundível jamón ibérico, que é o presunto mais consumido pelos espanhóis.

As tapas são tão importantes na Espanha que se criou o verbo tapear. Também existe a expressão salir de tapas.

O estilo mourisco está em todos os cantos de Sevilha, com seus tijolos aparentes, seus arcos, colunas e abóbadas, seus azulejos, suas inscrições em árabe... O melhor exemplo é o Alcázar, um impressionante palácio construído pelos muçulmanos e depois adotado e adaptado pelos reis espanhóis.

E a praça de touros tem lá suas características árabes.

Um pouco de história. Os muçulmanos invadiram a Península Ibérica no século 8. A Reconquista, por parte dos reis católicos, foi na passagem do século 15 para o 16. Os muçulmanos acabaram sendo expulsos da Europa algumas décadas mais tarde.

A mais espanhola das cidades é também uma das mais turísticas. Nas ruas se escutam inglês, francês, italiano, alemão, português... As lojinhas de suvenires estão sempre cheias.

Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
Na foto, a Giralda, que é a imponente torre da Catedral de Sevilha. No vídeo, a bailaora dança, sapateia, pula e roda a baiana. A estrela dançante está um pouquinho acima do peso, longe daquele perfil sevilhano esbelto, mas não decepciona em cima do tablao...

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Segundo Danuza Leão, antigamente as fatias de presunto eram colocadas sobre as jarras para impedir que caísse sujeira dentro do vinho. O presunto tapava as jarras de vinho. Daí vem a palavra tapa.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Para ver as fotos da viagem a Sevilha, clique aqui. E para ver as de Granada, localizada na mesma Andaluzia, o clique é aqui. Em Granada ficam os suntuosos palácios de La Alhambra.
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6 de maio de 2009

No fundo do poço / Tocando fondo

A crise econômica internacional acertou a Espanha com tudo. Perto de 4 milhões de pessoas, entre espanhóis e imigrantes, estão sem emprego. Isso representa mais de 15% da população de trabalhadores.

Quando cheguei, três meses atrás, a impressão que eu tinha pelas notícias dos jornais era que o país estava à beira do apocalipse, num desespero total, mais ou menos como o mundo de cegos contado por Saramago.

Com o tempo vi que, obviamente, as pessoas não estavam surtando nas ruas.

De qualquer maneira, existe sim uma crise que afeta —e muito— a vida dos espanhóis.

Nas empresas, inclusive no jornal onde eu trabalho, o que mais se vê na hora do almoço são os Tupperwares. As pessoas estão deixando de almoçar fora para comer no trabalho o almoço mais barato feito em casa. Um dos "presentes" do jornal ABC aos seus leitores é justamente um jogo de Tupperwares.

Ainda na alimentação, os espanhóis estão trocando os restaurantes pelos bares de tapas (os tradicionais petiscos espanhóis), que são bem mais baratos. E os restaurantes fazem todo tipo de promoção para atrair a clientela, como a tapa que vem grátis na compra de uma cerveja.

Redes de restaurante criaram o "menu anticrise", com preços mais baixos que os habituais. Outra rede dá comida de graça às quartas-feiras para os desempregados. Basta apresentar o cartão do Seguro Desemprego.

Na mesma linha, a Telefónica oferece descontos de 20 euros na conta de telefone dos desempregados e clubes de futebol dão entradas grátis para as partidas.

Até as tradicionais touradas estão ameaçadas. Os patrocinadores (privados e públicos) não têm mais tanto dinheiro para investir e o público reduz seus gastos com lazer. Várias corridas de toros já foram canceladas.

A lista pública dos empregos disponíveis, aqueles que os espanhóis não costumam aceitar e vão parar nas mãos dos estrangeiros imigrantes —como garçom, tosador e jardineiro—, está cada vez mais curta. Os espanhóis, sem opção, agora estão se vendo obrigados a aceitar o que antes viam como subemprego.

Uma informaçao tragicômica: aumentou nos últimos meses o número de denúncias contra empresas por uso de software pirata. Acredita-se que as denúncias estejam sendo apresentadas por empregados demitidos, como vingança contra os ex-patrões.

Ricardo põe legenda na foto:
Um restaurante se revolta contra o disco furado de quem só fala em crise.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Ainda bem que sou um mero jornalista visitante e não podem me demitir. Os passaralhos estão correndo soltos nas redações espanholas.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Se você não sabe o que é passaralho, clique aqui.
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5 de maio de 2009

Madrid 2016 / Los JJOO

Madrid briga com Tóquio, Chicago e Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016. Os governantes e a imprensa da Espanha estão numa campanha de marketing feroz...

Cartazes com o logo de Madrid 2016 estão espalhados pelo metrô e pelos postes do centro. Os jornais volta e meia escrevem sobre a união entre Zapatero (presidente de governo da Espanha), Aguirre (governadora da Comunidade de Madrid) e Gallardón (prefeito de Madrid) para que o sonho olimpíco se realize.

Essa campanha se intensificou nos últimos dias porque os julgadores do Comitê Olímpico Internacional acabam de chegar à capital da Espanha. Estão avaliando se a cidade tem as condições necessárias para sediar um evento tão importante e complexo.

A imprensa faz mais estardalhaço que o recomendado. Há uma semana está em contagem regressiva para a chegada dos auditores do COI. O logo de Madrid 2016 agora está nas primeiras páginas dos jornais todo santo dia.

Com os técnicos do COI finalmente na cidade, os jornais dedicam páginas e mais páginas para contar com fartura de detalhes cada passo deles. E também os esforços dos madrilenhos para conquistar a simpatia dos estrangeiros.

No meio dessa avalanche informativa, não se fala dos valores astronômicos gastos nesses preparativos, não se fala da crise econômica que reduz a munição do governo e da iniciativa privada, não se fala que a visita do COI é protocolar e que a decisão final é mais política e fruto de lobby do que qualquer outra coisa...

Um dos mais influentes jornais noticiou assim a chegada do COI à cidade:

"Los 13 miembros del Comité Olímpico Internacional ya están en la primavera espectacular de Madrid. El primer y único compromiso del día, el cóctel de recepción organizado por los Príncipes de Asturias en su propio hotel, el Villa Magna. La cita, a la hora taurina de las cinco de la tarde; en lo alto, un sol agradecido y, para cerrar el círculo, un cuadro flamenco."

Volte a ler o parágrafo acima, mas prestando bastante atenção aos adjetivos.

Ricardo põe legenda na foto:
Anúncio no metrô vende o peixe olímpico madrilenho.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
As Olimpíadas de Barcelona foram anteontem. É muito difícil que esse evento volte a ser realizado na Espanha depois de tão pouco tempo.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Eu também entrei no espírito oba-oba. Fiz uma reportagem para noticiar a doação de uma vaca da Cow Parade à entidade organizadora da candidatura de Madrid.
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Ainda a gripe do porco / Y sigue la gripe porcina

Correção do post abaixo. Sim, vi pessoas aqui na Espanha usando máscaras contra a gripe porcina. Várias. Foi no aeroporto de Madrid, no feriado do Dia do Trabalho.

Pura ignorância.

Acabei de ficar sabendo, graças à entrevista do secretário da Saúde de São Paulo no "Roda Viva", que a máscara não protege quem a usa.

Na realidade, deve ser usada apenas por quem já está doente, pois impede que essa pessoa transmita o vírus, pelo espirro ou pela saliva, a quem está saudável.

De nada adianta a pessoa saudável proteger a boca e o nariz com uma máscara. Só se a máscara lhe cobrisse o corpo inteiro, no estilo homem-bolha.

É por isso que quem usa máscara na sala de cirurgia é o médico, e nunca o operado.

Faz sentido.
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29 de abril de 2009

A porca torce o rabo / La gripe porcina

As autoridades sanitárias já contam dez pessoas infectadas pela gripe do porco na Espanha. Apesar disso, não vejo sinais de pânico ou comoção social nas ruas de Madrid.

Aqui em casa, por outro lado, os nervos estão à flor da pele. Divido apartamento com Randall, um menino da Costa Rica, e com Nadia e Tina, duas meninas... do México! O México, como já foi amplamente divulgado, é o epicentro do terremoto suíno.

Hipocondríaco e preocupado, pensei em criar uma zona de quarentena na área de serviço, em tornar obrigatório o uso de máscaras Michael Jackson dentro de casa, em manter as janelas abertas para sempre...

Porém mais estava por vir. Acabam de chegar a este apartamento para uma temporada de três semanas os pais de Nadia. Provenientes da Cidade do México. Depois de horas dividindo o ar do avião com centenas de outros mexicanos.

Acabo de entreouvir no quarto ao lado um dos membros da comunidade mexicana dar uma discreta tossida...

Ricardo põe legenda na foto:
Os jornais daqui não falam de outra coisa.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
A gripe do porco se conhece em espanhol como gripe porcina, como a viúva da novela.

Ricardo dá o caminho das pedras:
A Organização Mundial da Saúde divulga todos os dias um boletim sobre a situação internacional da gripe do porco.
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27 de abril de 2009

O Equador é aqui / Ecuador es aquí

A votação é no outro lado do Atlântico, mas Madrid está tomada de cartazes do presidente do Equador, Rafael Correa, candidato à reeleição.

Explico. Os equatorianos que moram fora do país também votam nas eleições nacionais. E a Espanha é vista com muito interesse pelos candidatos porque aqui vive uma multidão de cerca de 700 mil imigrantes equatorianos.

A fuga em massa começou no fim dos anos 90, quando o Equador estava mergulhado na pior crise econômica de sua história e a cada semana um presidente novo respondia pelo país. Para tentar sair do buraco, o Equador dolarizou sua economia.

Com o desemprego nas alturas, os pobres do país decidiram migrar para outras partes do mundo. Enquanto 13 milhões de equatorianos vivem no território nacional, outros 3 milhões se encontram espalhados pelo planeta. Estão principalmente na Espanha, até pouco tempo atrás (até chegar a tal crise) o Eldorado dos latino-americanos. Aqui são a segunda maior comunidade estrangeira, atrás só dos romenos.

Com o desemprego na Espanha agora nas alturas (mais de 15% da população economicamente ativa), os imigrantes são os que mais sofrem, principalmente os ilegais. Muitos estão tomando o caminho de volta para casa.

Parêntese. Argentinos são bem vistos aqui, uruguaios também, mexicanos idem. Brasileiros, viva a nossa pátria amada, são igualmente recebidos com simpatia. Mas os equatorianos, esses não são bem-vindos. São os que mais sofrem preconceito.

A história é conhecida entre os colegas do programa Balboa. Telefona um equatoriano em resposta a um anúncio de aluga-se apartamento. Não, o apartamento já está alugado. Liga em seguida um argentino em resposta ao mesmíssimo anúncio. Claro, podemos marcar de visitar o apartamento.

Nos dias anteriores à votação de domingo, os candidatos a deputado (o Equador tem a figura do "deputado estrangeiro", que representa os compatriotas que vivem em outros países) fizeram debates públicos em Madrid, participaram de programas de rádio, distribuíram panfletos etc.

Rafael Correa, claro, foi reeleito.

Ricardo põe legenda na foto:
Publicidade eleitoral do presidente Rafael Correa no metrô de Madrid. Ele abraça sua candidata a "deputada estrangeira" para a Europa, Dora Aguirre.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Dora Aguirre me contou que "é necessário melhorar a acolhida dos conterrâneos que voltam para o Equador: eles precisam de ajuda na busca de emprego, menos burocracia na revalidação dos estudos feitos no exterior e facilidade na obtenção de empréstimos".

Ricardo dá o caminho das pedras:
Uma modesta colaboração minha para a imprensa brasileira neste momento tão decisivo para o mundo andino.
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23 de abril de 2009

A cidade da cultura / Mucha cultura

Madrid, como toda capital do velho continente, é uma cidade em que se respira cultura.

Já que a lista é longa, enumero apenas um pouco do que vi nestes últimos três meses. O gigantesco Guernica, de Picasso, é a atração maior do Museu Reina Sofía. As pinturas de Goya e Velázquez enchem meio Museu do Prado. Estiveram expostas pouco atrás em plena rua uma variedade de Rodins, incluindo seu célebre Pensador.

No cinema, antes do lançamento internacional, assisti ao último filme de Pedro Almodóvar, Los Abrazos Rotos. Há pouco tempo, um centro cultural projetou praticamente todas as produções de Almodóvar. Vi, por fim, La Mala Educación.

Posso ainda citar o Museu Arqueológico, o Museu da Cidade, o Museu do Traje, uma exposição de fotos do Dalai Lama, igrejas muito antigas, estátuas espalhadas por toda a cidade (do dom Quixote aos reis montados em seus cavalos), edifícios históricos, a praça de touros, o Palácio Real...

De todas essas expressões artísticas, porém, nada se compara à música que se ouve em Madrid. Mais que a pintura, que a arquitetura, que a história e que o cinema... A música aqui é, por excelência, "a criação com valores estéticos" que mais "sintetizam as emoções, a história, os sentimentos e a cultura" do homem.

Não exagero.

Entro num supermercado e lá toca um hit da dupla Andy & Lucas. Passando pela porta do bar, ouço Conchita. Na loja de roupas, toca Jennifer López em espanhol. No restaurante vegetariano, um sucesso antigo de Ricky Martin.

Eis, pois, o paraíso!

Acabo de chegar do show de Ricardo Arjona, um cantor guatemalteco adorado dos Estados Unidos à Argentina ("Señora de las cuatro décadas: permítame descubrir qué hay detras de esos hilos de plata y esa grasa abdominal que los aeróbicos no saben quitar").

Se eu tivesse de escrever sobre o espetáculo, desafiaria as rimas com a seguinte descrição: emocionante, impressionante e cativante.



Quando veria algo assim em São Paulo?

Depois de amanhã vou ao show de Laura Pausini, uma cantora italiana que... dispensa apresentações ("Se fue, se fue... Me quedó sólo su veneno. Se fue, se fue... Y mi amor se cubrió de hielo").

Enquanto meus colegas de curso se planejam para Madonna e U2, já estou de olho em Luís Fonsi, um cantor portorriquenho que se apresenta aqui dentro de algumas semanas. E cruzo os dedos para que haja apresentações de Shakira, Enrique Iglesias, Alex Ubago...

Porque apenas a arte nutre a alma.

Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
O cartaz anuncia o show de Ricardo Arjona em Madrid. Como as entradas para o Palácio de los Deportes se esgotaram em questão de dias, os organizadores decidiram realizar um segundo show na capital espanhola. No vídeo, o recital propriamente dito.

Ricardo dá o caminho das pedras: Num verdadeiro esforço de reportagem, consegui uma entrevista exclusiva com Ricardo Arjona. "Cadê o meu xará?", ele perguntou à assessora de imprensa no momento em que eu entrava na sala.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Agora preciso conseguir uma entrevista com Laura Pausini. Custe o que custar.
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6 de abril de 2009

Um dia de touradas / En las corridas

Domingo é dia de touradas em Las Ventas.

A plaza de toros de Las Ventas lembra um estádio de futebol: arquibancadas para a plebe e camarotes para os VIPs, vendedores de bebidas para lá e para cá, velhos que enfrentam o assento duro alugando almofadinhas, gritos de ânimo da torcida etc. etc. etc. Porém, um estádio com muita classe, construído em 1931 no mais refinado estilo mourisco.

Soa a corneta, abrem-se os portões e entra o primeiro touro. A multidão vai ao delírio. O touro é preto, tem um par de chifres afiados e parece bastante nervoso.

A corrida começa com uns quatro aprendizes de toureiro provocando o bicho com suas bandeirolas rosadas. Quando o touro responde, eles não toureiam. Simplesmente fogem para trás de umas trincheiras de proteção estrategicamente posicionadas na arena.

Assim, correndo contra um e contra outro, o touro vai perdendo força. Depois, dois desses aprendizes de toureiro tratam de fincar umas espécies de ganchos nas costas do animal. O sangue começa a escorrer. Em certos momentos o animal pára e vira o pescoço como que tentando se livrar dos ganchos.

Mais uma corneta soa. E eis que entra um imponente toureiro montado num cavalo. O montador leva uma lança. A montaria leva uma armadura. E ainda bem que leva uma armadura, porque o touro vai com todos os seus chifres para cima do cavalo. Mais sangue: o touro leva uma lançada certeira no lombo.

Por fim, anunciado pelas mesmas cornetas, surge na arena o toureiro ídolo. Com seu indefectível uniforme colado ao corpo, uma sapatilha meiga nos pés, meia cor-de-rosa, detalhes dourados brilhantes por todo o traje, chapeuzinho napoleônico...



O touro, já combalido, continua furioso e investe contra a capa vermelha. O toureiro faz a festa. Olé! Num dado momento do espetáculo, o toureiro saca uma espada e a crava no animal. Com toda a força. Friamente. Uma presa fácil.

O touro, com a espada enterrada na região do pescoço, ainda avança com violência por alguns segundos, mas logo começa a perder os sentidos. Já está com a língua para fora, exaurido. Vomita sangue. E tomba quase sem vida.

Um dos aprendizes de toureiro avança sobre o animal estirado ao chão e, com a mesma espada, acaba com o resto de vida que sobra. No final, uns cavaleiros aparecem e suas montarias arrastam o touro abatido para fora da arena. A piscina de sangue que sobra é imediatamente coberta com terra.

Eis a glória humana!

Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
Na foto, um monumento aos toureiros e um pedacinho de Las Ventas. No vídeo, cena da corrida de ontem à tarde.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Bandido, o touro da novela, era feliz e não sabia. E, sim, os touros bravos fazem aquele movimento com as patas dianteiras, típico de desenho animado, antes de partir para o ataque.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Antes de ser abatido, o primeiro touro de ontem quase venceu seu algoz.
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3 de abril de 2009

O cheiro do inverno / Algo huele mal

Há alguns dias o inverno finalmente terminou e deu lugar à primavera, mas o frio volta de vez em quando. E é nas temperaturas baixas que as pessoas tiram seus casacos mais pesados do fundo do armário.

Problema. As pessoas sacam seus casacões do baú e os vestem do jeitinho que estão, sem lavar, limpar nem nada do gênero. O inverno não cheira bem.

E como é que eu sei disso? Pois usando o metrô!

Ao seu lado no vagão está sentada uma pessoas qualquer, e de repente aquele cheiro de bolor entra pelo nariz e quase te mata de ânsia de vômito. Ou então, pior ainda, sobe um odor de suor impregnado na roupa. E ainda há alguns com fragrância de bafo da manhã, cachorro molhado, bacon frito etc. etc. etc.

E o cheiro é proporcional à idade do usuário da roupa. Afinal, as chances de um senhor de 85 anos ter uma roupa guardada há 50 anos sem lavar são maiores do que as de um senhor de 60...

As senhoras de certa idade dão pulinhos de alegria com o frio. É a ocasião em que podem tirar da tumba suas melhores peles felpudas de marta ou chinchila e desfilar muito elegantes pela Gran Vía. Tudo muito politicamente incorreto.

Quando escrevi "senhoras de certa idade", quis dizer "múmias".

Ricardo põe legenda na foto:
Um par de velhinhas com seus abrigos na região de Hortaleza. Não me atrevi a cheirá-los. E muito menos a cheirá-las.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Por que automaticamente franzimos o nariz e fazemos cara de nojo quando dizemos coisas do tipo "fedor" e "cheiro ruim"?

Ricardo dá o caminho das pedras:
Nessas situações, meu amigo, o jeito é segurar a respiração e, se o fôlego acaba, tomar ar pela boca.
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