29 de julho de 2009

Shop till you drop

Estamos na época ideal para comprar até nao poder mais. Julho é o mês das famosas rebajas na Espanha e no resto da Europa.

Sao promoçoes que deixam ainda mais loucos os compradores compulsivos. Produtos --principalmente roupas-- que antes eram apenas "bons" e "bonitos" tornam-se também irresistivelmente "baratos". Os descontos chegam a 75%.

Tênis de marca custam 35 euros. Casacos pesados e calças jeans, 15 euros. Camisas de manga comprida saem por 5. Camisetas, até por 3 euros.

Mesmo com a famigerada crise, as lojas de Madrid ficam cheias e nas ruas só se vê gente com sacolas na mao.

Existe uma lei nacional que regula as rebajas na Espanha. E ela manda que os descontos se apliquem sobre os preços reais: nao há aquele velho golpe de jogar o preço lá em cima antes de aplicar o desconto. E que as peças nao tenham defeito: a liquidaçao nao é truque para se livrar das peças encalhadas.

Além de julho, há rebajas também em fevereiro. Segundo a lei, a primeira temporada de promoçoes deve ocorrer al principio de año e a outra, en torno al período estival de vacaciones.

Em fevereiro, ficam baratas as roupas de frio. Em julho, as de verao. Prepare o cartao de crédito.

Ricardo põe legenda na foto:
A vitrine da loja de departamento El Corte Inglés anuncia suas rebajas. O garoto-propaganda é o cantor brega venezuelano Carlos Baute.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Os preços sao tao baixos na Espanha que sao altas as chances de você acabar comprando, por impulso, coisas de que nao precisa ou que nunca vai usar no Brasil.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Ir a lojas de departamento como Zara e H&M vira passeio turístico para a tarde inteira. Coincidência ou nao, há sempre uma Zara ao lado de uma H&M. Ou vice-versa.
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22 de julho de 2009

O espanhol das arábias / El castellano de las arabias

Quem cruza o estreito de Gibraltar e chega ao norte da África entra em outro mundo. Falo especificamente de Marrakech, em Marrocos.

As mulheres se cobrem de véus dos pés à cabeça, os homens deixam a barba crescer apenas embaixo da mandíbula, os camelos estão em todos os lados, os microfones das mesquitas chamam à oração várias vezes ao longo do dia, comprar qualquer coisa significa pechinchar até o último centavo/saliva/resto de energia, atravessar a rua é praticamente um ato suicida, o couscous está obrigatoriamente em todos os restaurantes, os encantadores de najas tocam suas flautas no meio da praça...

Mas no tradicional mercado de Marrakech, o mesmo onde se pechincha até o último centavo/saliva/resto de energia, os vendedores falam espanhol. E muitíssimo bem.

Mas em Marrocos não se fala árabe? Sim. E também não se fala francês? Oui, oui.

É que Marrakech está sempre tomada por turistas espanhóis. A famosa cidade marroquina fica a menos de duas horas de voo de Madrid. Os voos são baratos, uns 100 euros ida e volta.

Como hábeis comerciantes, os árabes usam todas as técnicas para fazer o cliente comprar um lenço colorido, uma sandália de couro, uma prato de cerâmica, um chaveiro de camelo, uma camiseta com as cores da bandeira marroquina, uma tatuagem de henna, um copo de suco de laranja feito na hora...

Falar espanhol é uma dessas técnicas.

A turista que aparenta ser espanhola é carinhosamente chamada pelos vendedores de guapa ou María José. E se ela esclarece em castelhano que não é bem espanhola, o vendedor não desiste. Com um sorriso no rosto, insiste: ¿México? ¿Guadalajara? ¿Gripe del cerdo?

Ricardo põe legenda na foto:
A praça central de Marrakech, onde fica o famoso mercado, numa vista noturna.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Quem não sabe espanhol também consegue pechinchar tranquilamente no mercado de Marrakech. Os vendedores têm suas calculadoras para que ambas as partes apresentem aí suas propostas e contra-propostas. Os números são tão mais importantes que o idioma que juro que vi uma amiga negociando preço nesse mercado com um vendedor... mudo!

Ricardo dá o caminho das pedras:
Este vídeo dá uma boa ideia de Marrakech.
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21 de julho de 2009

O chinês do mercadinho / El chino del mercadito

Sabe-se lá por quê, nove em cada dez padarias do Rio de Janeiro pertencem a um português. Em Madrid, o equivalente ao "português da padaria" é o "chinês do mercadinho".

A cidade está cheia de mercadinhos com placas em que se leem alimentación e frutos secos. São estabelecimentos meio precários, não muito higiênicos e pouco iluminados que vendem de salsichão a papel higiênico, de frutos do mar enlatados a envelope de carta, de vinho tinto a cigarro.

A vantagem é que ficam abertos depois que os supermercados fecham.

No caixa, invariavelmente, está o dono do estabelecimento: um chinês, acompanhado de sua mulher chinesa e de seus filhos chineses, todos assistindo a algum filme chinês bizarro num laptop chinês ligado ao lado da caixa registradora.

Achar umas fatias de queijo no refrigerador do mercadinho, por exemplo, é tarefa complicada. Para começar, é um refrigerador vertical, daqueles de expor refrigerante e cerveja no supermercado. E o pacote de queijo está escondido nessas prateleiras frias (mas não muito) no meio de salames, picolés, presuntos, iogurtes e sanduíches prontos.

Os chinos, como são carinhosamente (sic) chamados (tanto os donos como os mercadinhos), são a salvação quando bate aquela fome às 11 da noite. Ou quando as bebidas acabam bem no meio da festa no fim de semana.

Os chineses dos mercadinhos se esforçam para ser simpáticos. Assim que alguém entra no local, o dono dá as boas-vindas com um hola mecânico. O melhor é quando ele diz o valor a ser pago: Cuatlo eulos con cualenta céntimos.

Chino é chino em qualquer lugar do mundo.

Ricardo põe legenda na foto:
Um dos milhares de chinos de Madrid.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
O chino não vai querer te vender bebida alcoólica às 10 da noite. É que a venda desse tipo de produto está proibida fora de bares e restaurantes quando cai a noite. Mas se você insistir um pouco, o chino acaba te vendendo a bebida. Mas ele vai te pedir que, por favor, esconda a garrafa dentro da mochila por causa dos policiais que garantem a ordem pública nas ruas.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Os chineses também são vendedores ambulantes de cerveja na noite madrilenha.
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7 de julho de 2009

Estación en curva

O jornal onde eu trabalho é um dos mais influentes da Espanha, mas não tem nenhum carro para levar os repórteres às pautas.

Explico.

O sistema de transporte público de Madrid é tão eficiente que desencoraja o uso dos carros. Há duas estações de metrô perto do jornal. E o metrô de Madrid leva a todos os cantos da cidade. Eu disse todos os cantos da cidade.

São quase 300 estações espalhadas pela região metropolitana. O Rio de Janeiro, uma cidade maior que Madrid, tem menos de 40 estações.

O metrô leva ao aeroporto de Barajas (são duas estações lá dentro), aos terminais rodoviários, às estações de trem, ao estádio do Real Madrid, ao Parque do Retiro, à Gran Vía, ao Museu do Prado e aonde mais você quiser.

Está pensando em estações escuras como as de Roma? Linhas confusas como as de Paris? Ou vagões emporcalhados como os de Nova York? Nada a ver.

As estações são bem iluminadas e os trens estão sempre limpinhos. Ninguém fica andando para lá e para cá como barata tonta porque as estações estão muito bem sinalizadas. Cada linha tem uma cor e um número.

A passagem do metrô de Madrid é uma das mais baratas da Europa. Um euro.

Além disso, os trens passam a cada três ou cinco minutos. O serviço funciona até a uma e meia da manhã. E um simpático casal de dubladores (essa é a profissão original deles) de voz empostada anuncia a próxima estación.

Assim como em Londres, eles alertam para o espaço entre o vagão e a plataforma. Em vez do clássico "Mind the gap", a espanhola do metrô --muito mais dramática-- exclama:

"Atención: estación en curva. Al salir, tengan cuidado para no introducir el pie entre coche y andén".

Exagero. O metrô de Madrid é tão bom que o espaço entre o vagão e a plataforma (o tal buraco onde você pode desatentamente enfiar o pé) não tem mais que uns 15 centímetros. Ninguém em sã consciência cai ali dentro.



Ricardo põe legenda na foto e no vídeo:
Na foto, o nome que deu origem a este blog. O vídeo mostra a chegada à mítica Diego de León, que me deixa quase na porta de casa. Preste atenção ao diálogo entre o locutor e a locutora ao anunciar a próxima estación e a correspondencia con.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Se você é um imigrante ilegal, é melhor evitar estações movimentadas, como a Avenida de América. Na saída costumam estar policiais ávidos por clandestinos desavisados.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Este é o mapa que se distribui gratuitamente em todas as estações do metrô. Dou uma tapa (não um tapa) a quem achar a idolatrada Diego de León nesse mundo ferroviário.
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5 de julho de 2009

Cuidado, filme dublado / Atención, película doblada

Que tal ir ao cinema ver o último blockbuster americano? Cuidado, porque é quase certo que o filme vai estar dublado.

Dublado? Mas é um drama que pode ganhar o Oscar, não um desenho da Disney para crianças...

Não importa. O filme vai estar dublado.

Se quiser ver no idioma original, com legendas, vai ter que procurar um cinema alternativo, circuito cult, gente moderna.

Os espanhóis simplesmente não estão acostumados às legendas. Não gostam de ver a história num idioma que não entendem e ao mesmo tempo ler as falas traduzidas para o espanhol. Não gostam, não conseguem ou não querem.

Nos anos 40, a ditadura do General Francisco Franco baixou uma lei que tornava a dublagem dos filmes estrangeiros obrigatória. Era para conservar a pureza do espanhol? Para nada. Era uma forma bastante eficaz de controlar o conteúdo que chegava do exterior.

A ditadura franquista não gostava de nada que remetesse à democracia e à liberdade ou que ameaçasse a moral católica e os bons costumes.

O exemplo mais clássico (ou trágico ou cômico) é "Mogambo", de 1953, dirigido por John Ford e estrelado por Clark Gable e Grace Kelly. No filme que o mundo inteiro viu, a história gira em torno de uma mulher que trai o marido num safári africano. No filme que só a Espanha viu, as falas transformaram marido e mulher em... irmãos! Assim, nunca houve adultério na versão espanhola. Nada de maus exemplos neste país.

Os nomes de todos os filmes também são traduzidos. Isso, porém, vem de uma tradição mais antiga. Aqui, a rainha Elizabeth da Inglaterra é conhecida como Isabel. O príncipe Charles, Carlos. E os dois filhos dele, os príncipes William e Harry, Guillermo e Enrique.

O pensador alemão Karl Marx é Carlos Marx. A cidade belga de Antuérpia se chama Amberes. Anne Frank, a do diário, virou Ana Frank. E a banda U2, atenção, ganhou o nome de u dos.

Ricardo põe legenda na foto:
Até o Wolverine foi espanholizado.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Como têm tudo mastigadinho na língua materna, os espanhóis não se preocupam em aprender outros idiomas. Aqui, ao contrário do Brasil, não se encontra uma escola de inglês em cada esquina.

Ricardo dá o caminho das pedras:
¿Quién quiere ser millonario? foi o primeiro filme que vi na Espanha. Na entrada do cinema não havia nenhum aviso de que estava dublado. Foi estranho ouvir um menininho indiano gritando coño.
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1 de julho de 2009

Sol de rachar a cabeça / Cómo hace calor en esta ciudad

Numa das inesquecíveis lições de espanhol no CCAA, uma das personagens exclama: ¡Cómo hace frío en esta ciudad!

Em Madrid, nesta época do ano, é o contrário. ¡Cómo hace calor en esta ciudad!

Na capital espanhola ou faz frio de congelar as bochechas ou calor de derreter os neurônios. Quando o inverno inclemente vai embora, é imediatamente substituído pelo verão inclemente.

Dias agradáveis, sol morno, brisa fresca, cheiro de orvalho... nem pensar. Não há término medio.

Pela manhã faz calor. À tarde faz calor. De noite faz calor. Na madrugada faz calor.

Andar na rua é um inferno. O sol pesado joga todos os seus raios UV na cabeça dos transeuntes. E eles (os raios, não os transeuntes) queimam.

Para piorar, Madrid está bem no centro da Península Ibérica, longe do Mar Mediterrâneo, do Mar Cantábrico e do Oceano Atlântico. Umidade, só na pia do banheiro e da cozinha. Os poucos ventos que sopram aqui são secos. E quentes. A sensação térmica é de deserto. Uma verdadeira estufa.

Os madrilenhos dizem que os dias de verão são bochornosos. Bochorno é o aire caliente y molesto que se levanta en el estío.

As senhorinhas, outrora com casacos de pele cheirando a mofo, nesta época do ano passeiam pelas ruas com sombrinhas protegendo a cabeça e leques refrescando o rosto.

Ricardo põe legenda na foto:
Essa foto foi tirada hoje --acredite-- às dez horas da noite.

Ricardo conta ao pé do ouvido:
Dormir com as janelas abertas ajuda. Um pouco.

Ricardo dá o caminho das pedras:
Como faz São Paulo, Madrid também improvisa suas praias.
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