Os jornais na Espanha tomam partido sem pudor. Imparcialidade zero. Não me refiro aos editoriais, lugares livres para que a publicação torne público o que pensa, deseja ou repudia. Me refiro às reportagens, que pelo menos na teoria devem ser objetivas e neutras.
Apesar de o acontecimento ser um só, no dia seguinte cada jornal mostra a realidade que mais lhe convém. E isso, convenhamos, é coisa fácil.
Ouve-se só um lado da história, ignora-se a versão da outra parte, redige-se uma opinião de modo que soe como verdade universal, enche-se o texto de adjetivos e juízos de valor, conta-se só uma parte do fato... E pronto. Eis aí um tendencioso prato de notícias. O molho é político e bem picante.
Se o jornal é anti-Zapatero, nele só se lerão ataques diretos e indiretos ao governo e elogios rasgados à oposição. E vice-versa. Se o jornal é contra o aborto, só noticiará que essa prática é criminosa e se terá a impressão de que a Espanha pede a uma só voz a "defesa da vida". E vice-versa.
Uma notícia importante nos jornais de hoje foram justamente os protestos contra a mudança na lei do aborto.
Num extremo, o Público escondeu o protesto numa chamada minúscula no pé da primeira página. No meio termo, o El País e o El Mundo deram uma foto e certo destaque. No outro extremo, o ABC e o La Razón publicaram fotos gigantescas dos protestos na primeira página.
A seguir, o que eles disseram:
Público
Protesto: Perde fôlego a mobilização católica contra o aborto.
El País
Milhares de pessoas pedem em toda a Espanha que se proíba o aborto.
El Mundo
Dezenas de milhares de pessoas manifestam contra o aborto.
ABC
Um clamor pela vida toma conta das ruas de toda a Espanha.
La Razón
Uma onda vermelha em defesa da vida e contra o aborto.
Espanhol que é espanhol sai da banca sabendo que a publicação embaixo do braço vai dizer exatamente aquilo que ele pensa.
Recentemente, o New York Times publicou um artigo em que, com muito acerto, disse que "existem provas bastante convincentes de que, em geral, não desejamos realmente informações confiáveis, e sim as que confirmem nossas ideias preconcebidas".
E assim concluiu: "Podemos acreditar intelectualmente no valor do choque de opiniões, mas na prática gostamos de nos encerrar no útero tranquilizador de uma câmara de ecos".
Ricardo põe legenda na foto:
Nas fotos da capa, o La Razón e o ABC deixam claro que são inflexivelmente contra o aborto.
Ricardo conta ao pé do ouvido:
O La Razón tem uma editoria diária de religião.
Ricardo dá o caminho das pedras:
Conheça neste link os principais jornais da Espanha.
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Quem tem medo da cuca?
Há 7 anos
3 comentários:
Ricardo,
pelo menos aí na Espanha não se engana ninguém... O que adianta ouvir a outra parte e colocar 3 linhas no final da matéria, quando a manchete já detonou o que tinha que detonar?
A manipulação, ao fingir imparcialidade, é maior.
Querido, vc já tem aí um bom tema (e material) para a monografia que o Aires pede...
Beijões!
Oi, Helena!
A monografia precisa agora ser sobre que experiência do meio espanhol podemos aplicar no meio brasileiro. Jo'eeeer!
Um beijo!
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